Há dois meses comecei uma série sobre os problemas educacionais no Brasil e como começar a resolvê-los. A série teve nove partes. A recepção aos textos foi boa. Estou expandindo-a para um livro. Um dos novos capítulos trata do problema sobre a baixa demanda por educação no Brasil. Abaixo um dos novos capítulos do livro, a ser lançado em breve.

Temos um problema grave e quase intransponível: em quase todos as esferas sociais a demanda por educação é baixa. Os trabalhadores brasileiros, em geral, são pouco produtivos e mal remunerados. E isso perpassa classes sociais, já que em quase todos os estratos a produtividade total do trabalho é muito mais baixa que no resto do mundo. Isso não é complexo de vira-latas – somos mal educados e pouco produtivos. A produtividade do trabalho brasileiro hoje é a mesma que em 1960. Ou seja, estamos parados no tempo há mais de 50 anos.

E pior, não queremos mudar. Educação de qualidade não é uma bandeira da sociedade, e normalmente fica atrás de vários indicadores. Primeiro precisamos responder uma simples pergunta: por que isso acontece? Somos irracionais? Por que a demanda é tão maior em outros países, como EUA e China, para ficar em dois extremos, mas tão pequena no Brasil? Na verdade, é racional, embora míope, a baixa demanda por educação no Brasil, seja para as classes mais ricas ou mais pobres, embora por razões completamente diferentes. No primeiro caso, as classes menos favorecidas apresentam inconsistência temporal e, no segundo, as classes mais ricas estão protegidas da competição por uma combinação de desigualdade, protecionismo e isolacionismo.

Inconsistência Temporal, Pobreza e Tomada de Decisão

Desconto hiperbólico é uma forma de inconsistência temporal na qual as realizações imediatamente a frente tem muito mais valor do que o longo prazo. Normalmente, em finanças, a taxa de desconto é fixa. Ou seja, se pensarmos em trazer pro presente um valor futuro, a uma taxa de 14% ao ano, simplesmente usaríamos a fórmula de juros compostos e colocaríamos como 14% a taxa de juros, independente de trazermos um valor de 3, 5 ou 20 anos no futuro. Com inconsistência temporal, a taxa de desconto é muito maior nos períodos imediatamente subsequentes do que em valores futuros. Um exemplo simples para mostrar isso: imagine um investimento inicial de R$2,419 que retornará R$10,000 depois de 9 anos. Ou seja, mais de quatro vezes o retorno depois de 9 anos. Parece um excelente investimento. Mas vamos imaginar que as pessoas recebam esse investimento de duas diferentes formas, uma usando desconto hiperbólico, no qual as taxas são maiores no curto prazo, e outra com juros compostos normais. A taxa de juros que quadruplica o valor em 4 anos é de cerca de 17% ao ano. Ou seja, no último caso todo o ano o retorno é de 17%. Sem mágica, temos um valor futuro de R$10.000 ao final de 9 anos. Agora, imagine a situação abaixo, na qual a taxa do primeiro ano é de 50%, de 40% no segundo, caindo, para os últimos anos, para 4, 3 e 2% ao ano, respectivamente, como na tabela abaixo[1].

Ano Desconto Hiperbolico Valor Desconto Normal Valor
0  $         2,419  $         2,419
1 50%  $         3,628 17%  $         2,832
2 40%  $         5,080 17%  $         3,316
3 30%  $         6,603 17%  $         3,882
4 20%  $         7,924 17%  $         4,545
5 10%  $         8,716 17%  $         5,322
6 5%  $         9,152 17%  $         6,231
7 4%  $         9,518 17%  $         7,295
8 3%  $         9,804 17%  $         8,541
9 2%  $      10,000 17%  $      10,000

Em desconto hiperbólico os últimos anos importam muito pouco. Ao final do quinto ano o valor já é de mais de R$9.000 e o dinheiro mais que triplicou. Em termos agregados, simplesmente não valeria a pena manter o dinheiro nesse investimento. O que realmente importa é o resultado nos primeiros anos. Desconto hiperbólico não existe de fato, já que na vida real investimentos usam juros compostos normais. Contudo, quando se é pobre a vida é quase toda baseada em desconto hiperbólico, pois o futuro próximo é extremamente mais importante do que o longo prazo, já que garantir o pão de amanhã é fundamental para a sobrevivência. Simplesmente, pessoas pobres, em qualquer lugar do mundo, raramente podem tomar decisões de longo prazo com a mesma facilidade de pessoas mais ricas, já que elas tem custo muito maior. O sacrifício presente é muito maior, quando se é pobre, do que quando se é rico. Uma pessoa mais rica pode se dar ao luxo de esperar os dez anos para quadruplicar o investimento, enquanto a estratégia racional, quando se acha que há desconto hiperbólico, é retirar o investimento todo ano e colocar em outro que parece que tem 50% de retorno no primeiro ano (embora o retorno seja, na verdade, de 17%). Temos problemas de oferta em relação ao sistema educacional. São lugares comuns dizer que a qualidade é baixa, os professores mal remunerados e que investimos pouco. Nesses lugares comuns, todos os problemas brasileiros seriam resolvidos ao acertamos as questões de oferta. Teríamos um sistema equânime como o dinamarquês, com professores bem remunerados como os coreanos, com a liberdade pedagógica da Finlândia e os resultados de Cingapura no teste mundial de PISA (Programme for International Student Assessment). Infelizmente estamos pelo menos 30 anos atrás de qualquer uma dessas coisas acontecer. E não somente pelas questões de oferta, mas também por causa de uma falha fundamental em como tomamos decisões de investimento por educação, do lado da demanda. Simplesmente, a educação não é uma prioridade para a maioria das famílias brasileiras. E isso não quer dizer que essas famílias sejam míopes. Pelo contrário, muitas famílias buscam maximizar seu bem estar e, para isso, ignoram investimentos com educação. Para entender melhor isso, precisamos primeiro entender que em um país de classe média baixa como o Brasil a maior parte das famílias sofre restrições às suas decisões que são muito diferentes no resto do mundo.

É muito fácil falar que uma família pobre deveria priorizar a educação como saída da pobreza. É bem mais difícil ser parte de uma família pobre e ter que tomar decisões de curto e longo prazo para fazer isso acontecer. Nos últimos 15 anos simplesmente houve uma revolução no que tange o entendimento sobre as decisões de famílias pobres e de classe média baixa. Somente depois de entender como pessoas mais pobres tomam decisões é que podemos tentar compreender como modificar a infeliz relação baixa demanda → pouca pressão política para mudança → alocação ruim de recursos públicos → sistema educacional ruim → baixa demanda por mudanças.

Bernheim, Ray e Yeltekin (2015) mostram exatamente como se criam condições para a armadilha da pobreza. O resultado principal do modelo desenvolvido por eles é o de que indivíduos com poucos ativos financeiros apresentam menor auto-controle, prendendo-os à pobreza, enquanto indivíduos com dotação inicial de elevados ativos financeiros conseguem acumular mais riqueza indefinidamente. Grande parte da nossa desigualdade está no fato de pessoas mais pobres não tem acesso à estratégias de longo prazo da mesma forma que as camadas mais ricas, perpetuando e aumentando a desigualdade no tempo.

O que inconsistência temporal tem a ver com educação? Tudo. Quando se é pobre, o sacrifício para receber algo no longo prazo é muito grande, e é racional e esperado que se tomem estratégias de curto prazo que pareçam trazer mais bem estar. Pensemos em duas escolhas:

1 – Largamos a escola e procuramos um trabalho com salário de R$1.000, sabendo que daqui a 20 anos o salário máximo que conseguiremos é de R$2.000; ou

2 – Ficamos na escola e demandamos qualidade, com salário de 0 e salário futuro de R$10.000.

Não há dúvidas que pessoas relativamente pobres devem, racionalmente, escolher a primeira opção, mesmo abandonando o salário futuro de R$10.000. O salário de R$10.000 é uma ficção, que não importa quando o salário do mês que vem é que põe comida na mesa e dá oportunidades mínimas de lazer. Não há como criticar uma família que prefere um salário mais baixo hoje do que um sacrifício gigantesca para um potencial retorno futuro. Ser pobre é, normalmente, estar preso em um círculo vicioso no qual só o presente importa. É racional ignorar a importância do estudo. Educação é um investimento de mais de quinze anos que só traz retorno real depois de vinte. A escolha entre batalhar ou não por educação de qualidade, para uma pessoa pobre, pode ser resumida em: vale a pena lutar por uma educação de qualidade que só vai trazer retorno em vinte anos? A resposta é: não. A preferência racional deve ser por segurança (que me afeta hoje), saúde (a qualquer momento), ou drogas (que afetam comunidades pobres de forma permanente). É por isso que pesquisas como as da CNI-Ibope, de 2011, mostram que as principais preocupações dos brasileiros são, em ordem: saúde (52%), segurança (33%), drogas (29%) e, somente então, educação (27%). Em 2016, as prioridades para o país deveriam ser, em uma pesquisa divulgada pela CNI, melhorar os serviços de saúde (36%), controlar a inflação (31%), combater a corrupção (26%) e promover a geração de empregos (26%). Se imaginarmos que o brasileiro mediano ainda é de classe média baixa ou pobre, é fácil entender a preferência por saúde, emprego, inflação e segurança, em vez da educação. Não é uma questão de ignorância, mas uma simples decisão racional que privilegia os problemas que trazem maior retorno presente, em detrimento do futuro.

Mas e as famílias mais ricas? No Brasil, como já vimos, a maior parte das matrículas está no ensino público. Famílias ricas enviam os filhos para os melhores colégios, mas mesmo nesse caso, investem menos do que o retorno esperado, preferindo escolas públicas “gratuitas” a investimentos em instituições realmente de ponta no mundo. As universidades públicas brasileiras estão realmente recheadas de alunos de classe média alta. Mas nenhuma delas está entre as melhores do mundo e são poucas as instituições privadas de excelência internacional. Não existe demanda para isso, afinal. Por que, então, as famílias mais ricas podem se dar ao luxo de investir pouco em educação, mandando seus filhos para as universidades “gratuitas”, que são incapazes de, no agregado, gerarem significativo aumento da produtividade? Por um simples motivo: a elite brasileira é isolada de competição, seja interna ou externa.

Do ponto de vista interno, como as famílias pobres já tem desvantagem desde o berço e ainda apresentam inconsistência temporal em relação a investimentos em educação, não há como a dinâmica interna realmente ameaçar, no agregado, as vantagens das famílias mais ricas. É claro que a universalização do ensino público levou ao aumento de indivíduos de classes menos favorecidas no ensino superior, aumentando a competição para a camada menos produtiva dentre as antigas “elites”. Podemos visualizar isso através de um diagrama que separa as camadas mais ricas (classe média e alta) e divide os alunos dessas camadas em mais e menos produtivos.

 

Parte X

Podemos ver que o mercado mudou muito nas últimas décadas. Enquanto no passado a classe média era protegida pela dinâmica interna, tendo acesso exclusivo a empregos de média qualificação, no mínimo, hoje em dia os empregos de média qualificação não são exclusividade das camadas relativamente mais ricas. Os sinais do mercado de trabalho são claros: ainda hoje os empregos de maior qualificação são quase inteiramente um privilégio da camada mais rica. Enquanto isso, a classe média ficou espremida, sem o mesmo nível de proteção, mas ainda assim com muito mais possibilidade de acesso aos melhores empregos que as camadas mais pobres. É claro que às vezes vemos casos de sucesso, com indivíduos de classe mais baixa conseguindo construir carreiras nos melhores empregos, muitas vezes por uma perseverança pessoal imensa. Infelizmente, esses casos são exceção, e mesmo com a explosão do ensino fundamental e médio, as camadas mais ricas ainda estão protegidas da competição das camadas menos favorecidas.

Escalar a ladeira social ainda é por demais complicado no Brasil. As barreiras são significativas. Melhoramos muito, é verdade, e a situação atual é melhor do que há 20 ou 40 anos, mas ainda precisamos evoluir muito para construir um sistema realmente equânime e eficaz.

As camadas mais ricas não estão protegidas, no mercado de trabalho, somente pela dinâmica interna do mercado educacional. O Brasil também é um país extremamente fechado ao fluxo internacional de imigração, por características sociais, geográficas e políticas. Podemos usar como contraponto o mercado europeu. A recente crise europeia, com a votação pela saída do Reino Unido da União Europeia se deveu, em grande parte, pela competição dos trabalhadores europeus menos qualificados no mercado de trabalho local. A xenofobia inglesa se exacerbou, principalmente, nas camadas com menor nível educacional, que apresentam sentimento de fragilidade com a competição por empregos de europeus com igual qualificação. A visão do “encanador polonês”, que migraria para o Reino Unido para roubar empregos locais, embora longe da realidade do mercado de trabalho, teve um poderoso efeito sobre a percepção da camada local mais pobre. Grande parte dos votos do Brexit são uma tentativa de impedir a competição de estrangeiros no mercado de trabalho local. No Brasil, isso não acontece. As camadas mais ricas, especialmente, estão protegidas da competição internacional por barreiras linguísticas, sociais e regulatórias. Um exemplo de barreira regulatória é a revalidação de diplomas no exterior. Na área acadêmica as vagas à professores são basicamente reservadas a brasileiros, já que é difícil e trabalhoso para que um professor estrangeiro tenha seu diploma reconhecido no Brasil. Tenho dois colegas que sofrem ou sofreram na pele essa barreira regulatória. Chris Gaffney, um dos maiores expoentes sobre a geografia de grandes eventos esportivos e que hoje está na Universidade de St. Gallen, na Suíça, foi professor visitante na UFF, mas sofreu por mais de um ano para regularizar sua situação no país, tanto em termos da validação do seu diploma de doutorado como para conseguir um visto de trabalho. Heiko Spitzeck, professor de sustentabilidade da Fundação Dom Cabral e um dos principais acadêmicos da área no Brasil (e no mundo), não pôde fazer parte do corpo docente do Mestrado Profissional da FDC, pois para isso precisaria, primeiro, validar seu diploma de doutorado. Simplesmente, a regulação brasileira não reconhece o seu doutorado sem a validação de uma universidade local, algo que demora meses. O inverso não é verdadeiro. Quando fui contratado pela Universidade de Nottingham Ningbo, simplesmente enviei meu diploma, em português, para a instituição. O mesmo aconteceu na minha contratação na New York University Shanghai. O mercado acadêmico é mundial e não faz o menor sentido exigir, de professores pesquisadores com publicação reconhecida, um processo longo de revalidação de diploma.

O que acontece no mercado acadêmico é praxe em todos os outros mercados. Simplesmente, todas as camadas de trabalhadores brasileiros contam com diversas barreiras à competição internacional, que vão além das já significativas barreiras geográficas e linguísticas. Nesse contexto, realmente não faz sentido um investimento intensivo em educação por parte das camadas mais ricas. O acesso aos empregos de alta qualificação já é garantido pelas barreiras à competição interna e externa.

É claro que muitos outros fatores, não somente curto prazismo e barreiras à competição, impactam a demanda por educação no Brasil. Por exemplo, fatores familiares geram diferenças entre indivíduos da mesma classe social, enquanto características regionais influenciam políticos de forma diversa. Ou seja, essa falta de demanda também não é uniforme e, em muitas famílias, o espírito da saída pela educação é forte. Aqui só quero mesmo mostrar como pode ser racional uma sociedade se prender numa prisão na qual a educação não é uma prioridade. Lembremos que o prêmio por educação superior no Brasil é absurdamente alto. Isso deveria fazer com que a demanda por ensino superior de qualidade fosse gigantesca, por todas as camadas da sociedade, diminuindo esse prêmio no longo prazo. Não há qualquer evidência de que isso esteja acontecendo no Brasil. Apesar do aumento do número de alunos no ensino superior, pessoas com terceiro grau completo ainda são minoria no país e o prêmio por diploma de ensino superior continua extremamente alto. Em outros países, maior demanda por educação de qualidade resultou em menor desigualdade, e os mecanismos de mercado normalmente funcionam. Um dos exemplos está na Espanha. Cecilia Albert estudou a demanda por educação na Espanha e encontrou dois fortes efeitos: diferenças familiares explicam grande parte da distribuição por educação no país, especialmente a escolaridade da mãe (ou seja, maior escolaridade das mães e filhas elevam a demanda por educação futura); e, mais importante, os sinais do mercado de trabalho regulam a demanda por educação – se os salários aumentam e o desemprego diminui para determinados níveis de escolaridade, a demanda se ajusta, criando pressões nas direções do mercado de trabalho. Aqui, essa relação entre o mercado de trabalho e demanda por educação é quebrada, principalmente, pela inconsistência temporal das famílias, que não conseguem enxergar retorno para um investimento de longuíssimo prazo, e as barreiras à competição, que privilegiam o acesso das classes mais ricas.

Para os mais pobres, os investimentos em educação são limitados pelos parcos recursos familiares. Glewwe e Jaboby estudaram essa limitação no Vietnam e encontraram que um período de crescimento forte, na década de 1990, levou a um aumento significativo nos investimentos familiares em ensino médio. Ou seja, o aumento de renda das famílias liberou-as para que os filhos pudessem completar o ensino médio. Os resultados deles são robustos a diversos controles, como diferenças familiares, regionais etc. Extrapolando para o Brasil, o período de crescimento explosivo de 2005 a 2011, e a ascensão da classe média, deveria ter liberado as famílias brasileiras para buscar mais educação formal, aumentando a demanda tanto do ponto de vista familiar como político. Infelizmente, não há sinais claros de que isso de fato aconteceu, e o crescimento dessa demanda tem acompanhado a evolução histórica do setor. Ou seja, desperdiçamos uma grande oportunidade de usar o crescimento da segunda metade da década passada para realmente melhorar o sistema educacional, seja do lado da oferta ou da demanda.

Mas por que então, nos EUA e na China (e em muitos países asiáticos), há uma grande demanda por educação? O sonho americano passa pela educação, especialmente da segunda geração de imigrantes. Na Ásia, a competição pelas melhores escolas é feroz, e as famílias sacrificam muitos recursos para incentivar os filhos a galgar o sistema educacional como saída da pobreza. São os americanos e chineses melhores? Isso é resultado do sistema já ser melhor? Na verdade, não. O sistema nesses países é melhor justamente por que as famílias demandam e estão dispostas a gastar mais recursos em educação. E, em ambos os casos, por razões completamente diferentes.

O caso chinês é interessante porque mostra o poder da evolução de normas sociais e como elas impactam o presente, apesar de terem surgido dezenas de gerações atrás. O exame imperial chinês surgiu há mais de 2000 anos, na dinastia Han, e desde meados da dinastia Tang (que durou de 618 a 901 AD) até 1905, quando foi abolido, era a principal forma de entrada na burocracia chinesa. Assim como no Brasil hoje, com o sistema de concursos públicos, o exame imperial era uma forma de ascender a elite. Como o exame imperial durou mais de mil anos e esteve durante esse tempo combinado a um sistema imperial no qual as possibilidades de ascensão social eram praticamente inexistentes, ele gerou, através do tempo, uma demanda grande por investimentos educacionais por parte das famílias chinesas. Mas como, no caso chinês, as famílias venciam a miopia do curto prazo, que aflige o Brasil? A resposta é uma combinação de normas sociais diferentes e um prazo realmente longo para que os sinais do mercado de trabalho gerassem maiores investimentos educacionais. Em especial, a pobreza absoluta e períodos de miséria tornaram a unidade familiar o principal construto social, no qual os sacrifícios de curto prazo e mecanismos de seguro intrafamília são a norma, de forma a suportas períodos traumáticos. O resultado é uma quebra do curto-prazismo pelo foco no sacrifício familiar. É por isso que muitos dos países asiáticos estão entre os mais poupadores do mundo e também aqueles que mais investem recursos familiares em educação. Sempre houve o exame imperial como saída da pobreza, e a unidade familiar, como superior ao indivíduo, permite tomadas de decisão com prazo mais longo.

 Parte X Site chines

No caso americano, a busca por investimentos familiares em educação é o contrário do caso chinês, embora ambos apresentem o mesmo resultado. Grande parte da demanda por educação é resultado da segunda geração de imigrantes. A primeira geração, os recém chegados, são normalmente aqueles indivíduos que mais aceitam riscos, pois escolheram emigrar em busca de oportunidades. Esse perfil de aceitação do risco faz com que as famílias de imigrantes estejam mais dispostas a investir em recursos educacionais de longo prazo, para que seus descendentes possam fazer parte do tecido social e econômico dos EUA. Além disso, o mercado de trabalho é mais flexível, e os sinais para as famílias mais diretos. O aumento de produtividade dos EUA e China, nas últimas décadas, tem muito a ver com os investimentos em educação pelas famílias. Ainda assim, em ambos os países, o aumento da desigualdade tem muito a ver com o fato de que, assim como no Brasil, há grande diferença entre o nível educacional de famílias mais ricas e mais pobres. Nesse caso, mesmo que famílias mais pobres invistam mais, relativamente,           que as famílias brasileiras, ainda assim as barreiras são enormes. O sonho americano, para uma família pobre, não existe.

De qualquer maneira, precisamos estimular maiores investimentos familiares em educação, mas mais sobre isso nos últimos capítulos. O que importa é que as barreiras para isso são enormes, já que no Brasil a armadilha da pobreza está enraizada, e vai ser uma construção de muito longo prazo conectar os prêmios por maior educação formal aos investimentos familiares e sociais em educação de qualidade.

[1] Não é realmente assim que desconto hiperbólico funciona, mas quero ficar longe de discussões técnicas e o exemplo é meramente ilustrativo.