Ganho minha vida ensinando. Hoje passo parte do ano discutindo com executivos, acionistas e todo o tipo de pessoas bem e mal qualificadas. Nesse post, sintetizo teoria de finanças e economia com observações práticas sobre como estabelecer uma carreira de sucesso. Vou falar sério também, mas não o tempo todo. Esteja avisado. Saiba também que todo o valor que você cria vai para você, a sociedade, ou seu empregador. Você ajuda a determinar a parcela de cada um.

Muitos brasileiros não sabem planejar suas carreiras. Isso é natural, pois há uma geração atrás vivíamos em hiperinflação, o que tornava impossível o planejamento de longo prazo. Ainda falamos, no dia a dia, em salários mensais, um fóssil vivo e resultado direto da nossa história inflacionária. Aqui vou colocar as regras a seguir para uma carreira de sucesso. Vou me basear na carreira de um economista, já que sou um, mas as regras são gerais e servem para todas as carreiras. Mas antes, uma digressão.

Temos tão pouca noção do futuro que acreditamos em conto de fadas. Um exemplo é o modus vivendi atual no qual espera-se que as pessoas gostem do seu trabalho. Devemos procurar ocupações que amamos. Bullshit, em bom português. Gostar do seu trabalho pode até acontecer, mas não deveria ter nenhuma relação com a escolha de uma profissão. Sucesso profissional depende de eficiência, não motivação. Ah, motivação. É uma história da carochinha contada por profissionais de RH para transformar indivíduos em ovelhas. Em termos bem técnicos: a relação de trabalho é um problema de principal (empresa) e agente (trabalhador), no qual os interesses não são alinhados, normalmente. O principal tenta capturar o agente através de, entre outras coisas, essa idiotice de motivação, tentando extrair o máximo de retorno possível pelo menor investimento (salário) que precisar fazer. Oferece em troca migalhas, com os agentes se estapeando e rastejando para alcançá-las (exagero por efeito didático, mas não é muito longe da realidade de muitas empresas).

De forma mais simples, trabalho é um jogo entre empresas e indivíduos no qual podem acontecer três coisas: a empresa ganhar (comum), ambos ganharem (raro e o que seria ideal), e o indivíduo ganhar (mais comum do que se pensa). Existem empresas predatórias, mas indivíduos que também o são. Afinal, quantas pessoas incompetentes e que destroem valor encontram-se em cargos de gerência, por exemplo? Quantos funcionários públicos capturaram o Estado e conseguem ganhar muito mais do que deveriam, até recebendo antes de outras categorias em Estados falidos? Extrativismo acontece em empresas e indivíduos ruins. Fuja disso, se possível, ou vire um extrativista orgulhoso, se essa for sua índole. Não é a minha.

O mundo em que vivemos é mais fácil de se navegar do que se imagina, desde que um indivíduo tenha rede de segurança familiar para poder escolher sua profissão livremente. Caso contrário, não há outro jeito e uma carreira de sucesso só pode ser criada com extremos sacrifícios. Tipo trabalhar 10 horas por dia em um trabalho de merda enquanto se busca conhecimento (e não diploma) para aumento de produtividade. Meritocracia indeed. Agora, vamos às regras. Ah, a ordem importa.

1 – Defina sua função de utilidade.

Trabalho é desprazer. Esqueça a ideia idiota de que você deve amar o trabalho. De novo, pode acontecer que você venha a trabalhar no que gosta, mas isso seria coincidência. Definir sua função utilidade significa estabelecer o que lhe deixa feliz, ao longo da sua vida. Algumas pessoas são caseiras, querem montar uma família, viver perto dos familiares e assistir Faustão (isso ainda existe?) no domingo. Economistas seguem uma regra: de gustibus non est disputandum, em bom latim: gosto não se discute. Outros querem ficar ricos, a todo custo. Alguns querem uma vida global, passando a maior tempo da sua vida dentro do avião. É esse o passo mais importante. O que quer que você goste, tem que ser definido primeiro, antes de qualquer consideração sobre a carreira. Trabalho, emprego e progressão são dependentes das escolhas pessoais, e não vice versa.

Exemplo de erro que vivenciei em uma sala de aula de educação para executivos. Vários donos de empresas agroindustriais em Mato Grosso. Um deles me disse que não quer que se seu filho estudasse no exterior. Afinal, ele poderia não querer voltar. Afinal, o que seria da longevidade da empresa se isso acontecesse? Eu comecei a rir. Não acreditei no argumento: o cara priorizava a empresa em vez das oportunidades para o filho. Aí me lembrei: gosto não se discute. Mas não era essa a questão. Conversando mais longamente com ele, vi que era ignorância e não priorização. Ao colocar de forma explícita para ele a escolha entre o futuro do filho e o da empresa, ele foi capaz de perceber que realmente ambos eram igualmente importantes. Ué, acharam que o cara ia gostar mais do filho do que da empresa? Eu também teria pensado isso, se não tivesse conhecido e trabalhado com centenas de donos de empresas pelo Brasil. A maioria prioriza o bem estar da empresa sob qualquer custo, inclusive coesão familiar.

Voltando ao ponto. Saiba quem você quer ser quando crescer. É esse o objetivo. Não se defina pelo seu trabalho. O atual emprego e a carreira são meios para esse fim e não um fim em si mesmo. A não ser, é claro, que você queira ser um mero peão pós-moderno, cegamente dando tudo de si para o seu feitor. Se é esse o seu prazer, vai fundo. O mundo está cheio de sadomasoquistas corporativos.

2 –  Defina a sua função de produtividade.

Este passo é bem simples. Bem, não de verdade. Simples na teoria, mas não na prática. Basicamente, sua carreira depende do seu conjunto de habilidades. Sabe aquele papo de vantagem competitiva, trazido da economia para o mundo corporativo pelo Michael Porter? É muito mais importante na sua vida do que para determinar o lucro da Nestlé. O mundo moderno é um lixo. Se você não nasceu rico, vai ter que trabalhar pra viver. Não temos escolha. Infelizmente, Bertrand Russel e John Maynard Keynes estavam errados quando, no início do século XX, vislumbravam um mundo no qual as pessoas poderiam escolher criar valor da forma que quisessem. O mundo moderno é uma máquina de moer carne. E o acém é você. O máximo que você pode fazer é tentar virar um filé mignon e ser triturado para ser vendido mais caro. Se for você bom pra caralho, vai virar um Kobe beef e ser degustado por algum ricaço que gosta de carne marmorizada e maturada a seco.

Você está preocupado se vai ter emprego depois da graduação? É irrelevante, a não ser que seja um dos 85% de brasileiros que crescem com pouquíssimas chances de conseguir uma identidade de verdade num dos países mais excludente do mundo, o grande produtor de jabuticabas, Terra Brasilis. O que realmente importa não é determinar que curso cursar e que pós fazer para limpar o seu diploma. E sim, responder a seguinte pergunta: no que eu posso ser bom de forma que o mercado queira comprar o meu trabalho, de forma perene. Não importa a carreira que você escolher e sim se você vai ter demanda perene pelos seus serviços. Entenda: você vende seu tempo e esforço. Só isso. Se for esperto, vai vender caro e se esforçar pouco (bem vindo à carreira acadêmica!). Se for otário, vai vender muito esforço a um preço baixo (olá estagiário!). Quer o segredo? Não importa o que você goste de fazer e sim se você é bom. Ah, e sorte conta. Pra caralho. Muito mais do que os livros merdas de auto-ajuda contam (o meu se chama Vida de Rico sem Patrimônio, pode comprar que eu ganho um café – Nespresso!, por cópia vendida). O mercado está pouco se lixando se você ama ser jornalista ou publicitário. A não ser que você tenha algum diferencial (tipo, ser excelente puxador de saco ou falar 5 línguas e ser um gênio), você vai trabalhar que nem um condenado e virar carne triturada de segunda. Mas com direito a vale transporte. Se tiver sorte.

Sabe porque gostar do que faz não é importante? Porque se você for bom no que quer que seja, pode fazer o que realmente gosta e não o que a sociedade impõe. Quer estudar piano mas não tem aptidão? Gosta de um relacionamento polisexual com parceiros(xs) em diversas partes do mundo? O que importa é sua função utilidade, não gostar do seu trabalho. Dá pra conciliar os dois? Claro que sim, mas você é um sortudo(a, x) da porra. Eu adoro jogar basquete. E tênis. E ler gibi. Qualquer um que já jogou comigo no aterro sabe que eu não passaria da porta de um time da terceira divisão de basquete. E olha que eu tenho vantagem competitiva nessa porra, tendo quase dois metros de altura. A única coisa que ser alto me deu de verdade é um desejo insano por um trabalho bem remunerado para não ser espremido na classe econômica de voos internacionais. Eu sou bom como consultor/pesquisador/professor de economia e finanças. Faço o mínimo possível para poder passar o máximo possível de tempo jogando basquete, pro azar de quem chega no aterro e cai no meu time.

De outra forma: quanto melhor você for no que tiver aptidão, maior valor você vai gerar e conseguir distribuir. Se você vai dar tudo para sua empresa, problema seu. Mas maximize o valor que você gera para a sociedade, mesmo que você passe o tempo inteiro tentando pegar todo o valor para si mesmo (ou seja, virou empresário). Eu no momento tento entregar parte disso para a sociedade, tentando resolver os problemas de sustentabilidade do planeta e a crise de refugiados mundial (ei, publicado na Bloomberg! – em O Globo também, mas não é tão condizente com o post arrogante). Mas só entrego algo para a sociedade porque consigo fugir da classe econômica (meu único objetivo de vida é um cartão platinum for life da SkyTeam), beber um bom whisky com amigos e porque minha coluna não me deixa passar o dia inteiro jogando tênis ou basquete. Faço o mínimo para não ser demitido da NYU Shanghai (bem, faço mais do que o mínimo, mas por estratégia de gestão de riscos).

3 – Estabeleça objetivos de longo prazo.

Volto ao ponto inicial. Brasileiros tem uma relação de asco com o longo prazo. Somos mais keynesianos que Keynes. No curto prazo estamos mortos. Se isso é verdade, melhor parcelar em 10 vezes! Em uma apresentação na Itália (menos arrogante do que parece, fui de econômica e quase dormi no volante para chegar na Universidade), perguntei para um grupo de alunos qual o plano de longo prazo deles. Um holandês me respondeu: queria ser diretor de multinacional em 20 anos, e por isso estava fazendo um mestrado na Itália. Tinha que aprender multiculturalidade e por isso escolheu um dos países menos eficientes da Europa. Ele achava que aprender a navegar a bagunça italiana o ajudaria na sua carreira futura. Provavelmente estava certo. Abaixo estão alguns arquétipos de objetivos de longo prazo que você pode escolher. Mas lembre-se, sorte é fundamental. O pior que pode acontecer é escolher o seu perfil e ficar preso em um que não é adequado à sua função utilidade. Ah, sempre tenha opções. Passe 20% do seu tempo fazendo networking ou cavando outras oportunidades. O seu empregador não é leal a você. Não há razão para reciprocidade.

Cidadão Global: o nome diz todo. Globetrotter, morando em qualquer lugar do mundo.

Peão Corporativo: seu sonho é um emprego de carteira assinada. Talvez uma média gerência. Público ou privado, tanto faz.

Extrativista público: nada melhor que fazer um concurso público e já entrar pensando em 1) como se aposentar o mais rapidamente possível, 2) como trabalhar o mínimo possível e 3) como conseguir o maior salário possível, otimizando 1) e 2).

Extrativista privado: quer ganhar poder para poder exercer seu sadismo sobre seus subordinados. Precisa de habilidades para galgar cargos de gerência e está disposto a trabalhar 15 horas por dia, desde que possa eventualmente chicotear seus funcionários. Comprar no Shopping Morumbi e de vez em quando ir pra Disney e ficar no seu apartamento (de mau gosto) em Miami são requisitos fundamentais.

True believer: você ama seu patrão, seja a empresa ou o Estado. Acredita piamente que seu trabalho é relevante (não é). Quer virar diretor de multinacional, CEO de empresas médias ou grandes, ou ter alguma carreira pública no qual possa fazer a diferença (não vai, mas é bonito tentar).

Independente: prestador de serviços pós-moderno. Não quer acordar às 7h e chegar em casa às 19h. Maximiza alguma função de utilidade mal definida. Pode acabar trabalhando mais e tendo menos estabilidade que o peão corporativo (o vale alimentação faz uma falta! Pelo menos o vale transporte, não).

Risk-taker: Quer ficar rico de verdade (só tem uma forma, que é arriscar). Quer beber romanee-conti mas não sabe diferenciar de um sangue de boi.

Em todos os casos, o salário é secundário. Você pode ser um peão corporativo muito bem pago. Ou não. Idem para o true believer. A mesma carreira pode ter dois ou mais tipos. Por exemplo, professor universitário. No Brasil, há de todos os tipos. Os que realmente acreditam que o que ensinam faz uma diferença no mundo (não faz). Tenho vários amigos nesse caso. Os independentes, que dão aula em N faculdades e tentam equilibrar o número absurdo de aulas com salário e deslocamento. E acabam descobrindo que não tem nada de independentes. Também os tenho no meu círculo de amizades. Os puramente extrativistas, professores de universidades federais, que recebem uma baba do Estado, fogem de aulas como o diabo da cruz e nunca fizeram ou farão pesquisa de verdade. Minha alma mater está cheia deles (também com vários true believers, ainda bem).  E os cidadãos globais, no qual me encaixo. Sempre quis, busquei, mas dei sorte que não acaba mais.

Vejamos os políticos. A maioria é de extrativistas públicos. Adoramos true believers, mas muitas vezes são perigosos e precisamos mesmo é de uma mistura de independência (uns 20%), peão corporativo (40%), true believers (20%) e risk-taker (20%). Desconfie se um político vier com papo de ser true believer. A não ser que seja um Michael Bloomberg. Se você tem US$ 20 bilhões, pode ser o que quiser sem agenda a não ser seu ego.

Aplicando a teoria: fazendo graduação em economia.

Esse post foi motivado, em parte, por um desejo de ajudar a nova geração de alunos de economia, preocupados com seu futuro. Primeiro, se você está fazendo economia, saiba que não vai morrer de fome. Você já é elite e não sabe (a não ser que seja realmente tapado, aí só puxar saco salva). Mas vamos lá, aprendeu que ser racional é importante e quer definir seu plano de longo prazo. Suas possibilidades, ao sair da faculdade, são: fazer um mestrado (e planejar ou tentar ir direto pro doutorado), tentar sair do país (com financiamento estudantil do país estrangeiro), ir para um programa de trainee, virar prestador de serviços (desde tradutor até tutor online, passando por qualquer área que envolva economia) ou arranjar um estágio ou emprego menos competitivo que um processo de trainee.

Você tem que saber sua função de utilidade. Não tenho como te ajudar nessa. As possibilidades são infinitas. Pode ser que o que te deixa feliz seja comer o máximo possível e ficar imóvel numa cama comendo sorvete enquanto procura vídeos de ornitorrincos fornicando. Bom para você. Dá para ser graduado em economia e passar a vida comendo sorvete com a cara no youtube (normalmente essa escolha excluiria a possibilidade de ter um parceiro(a,x) e filhos, mas com certeza há algum com função utilidade: amar algum morbidamente obeso e tarado por ornitorrincos – gosto etc.).

Siga o fluxo abaixo. Mas assumo que você não queira ficar rico. Se quiser, esqueça o fluxo. Arrisque e empreenda. E boa sorte.

chart-flow

São poucas as variáveis pessoais no modelo acima. Você deve determinar se quer ser global ou local, se está disposto a trabalhar muito e se quer conciliar mercado com sala de aula. Também tem que ser honesto na avaliação de capacidades pessoais. Em especial, se tem capacidade de pesquisa (poucos têm), se possui ou possuirá habilidade especial (entendimento de alguma metodologia sofisticada, como DSGE, ou uma língua estrangeira, como aramaico) e se está disposto a trabalhar 12 horas por dia. Veja que não importa se o emprego é público ou privado. Se você quer trabalhar relativamente pouco e não tem habilidade especial, vai fazer mestrado ou arrumar um emprego diretamente após a graduação. Pode ser via concurso ou empresa privada. É por isso que muitas pessoas fazem mestrado mesmo sendo medíocres, logo após acabar a graduação.  Mais importante, se você quer ser global, não há outro jeito direto: mestrado e/ou doutorado no exterior, ou um programa de trainee em uma boa empresa. Nada mais importa. É irrelevante se você tem ou não habilidade especial ou disposição para trabalhar 12 horas por dia. Se quer ser global sem virar imigrante ilegal ou em outra área que não economia, vai ter que arrumar uma posição numa grande empresa (de preferência, multinacional), ou traçar uma carreira acadêmica saindo do país (o quanto antes, melhor: o Brasil emburrece).

Último segredo: se você quiser ser bem sucedido (lembrando que ser bem sucedido não é comprar uma Ferrari e sim satisfazer sua função utilidade) na maioria das vezes criar mais valor significa movimentos laterais de carreira. Saltar de emprego. É muito mais fácil crescer na carreira trocando de posição do que dentro de uma única organização. Ficar numa mesma empresa é ideal somente se você quiser uma vida tranquila (ou for um masô corporativo).

Economia aplicada para gestão de carreiras. Podia dar um paper na American Economic Review. Provavelmente, não. Lembre-se, você vai criar valor e a distribuição dele depende de você. Se quiser gerar pouco valor e entregar todo ele à empresa em que trabalha, vai fundo. Para os que vão criar muito valor e distribuir a maioria à sociedade (como empreendedores sociais): obrigado. Para os que têm na sua função utilidade o sadismo de limitar a criação de valor dos outros: fodam-se.