Pragmatic Economics and Sustainable Finance

Building solutions for a better world, by Rodrigo Zeidan

Economia Pragmática

Precisamos abandonar ou reformular o Mercosul

Publicado em 13 de agosto de 2015

Precisamos reformular a política comercial do Brasil. Isso passa por abandonar ou reformular o Mercosul, negociar acordos bilaterais de comércio e, em último caso, criar um fundo temporário de ajuste às perdas comerciais.

Não precisamos de exemplos de como os produtos estrangeiros são caros no Brasil. O contraponto é que os produtos brasileiros também ficam caros no exterior – sem participar das cadeias produtivas globais a indústria brasileira fica menos competitiva e perde espaço no mundo. Em um cenário de desvalorização cambial, como atualmente no Brasil, as exportações que aumentariam a demanda agregada não vão crescer como seria de se esperar pelo fato de que o Brasil continua sendo o país mais fechado do mundo ao comércio internacional.

Abandonar ou liderar uma reformulação do Mercosul não é reconhecer o fracasso de um acordo que pretendia levar os países que assinaram o acordo ao século XXI, mas sim que hoje o Mercosul é um paquiderme imóvel que não parece caminhar a lugar algum. É importante reconhecer que o Mercosul teve um papel importante em estreitar os laços comerciais, econômicos (como movimentação de pessoas) e políticos entre os países da região, mas nos últimos cinco anos simplesmente caminhou para trás. Em maio de 2012 o Brasil aumentou a tarifa máxima de 100 produtos para 35% (antes estavam entre 12 e 13%), enquanto em 2011 a Argentina aumentou para 600 os produtos sem licença automática de entrada no país, uma barreira não tarifária que caminha na contramão dos processos de abertura comercial que acontecem no mundo.

Enquanto há uma renascença em acordos comerciais bilaterais e multilaterais no mundo, nos últimos cinco anos o Mercosul simplesmente não saiu do lugar e nem parece que vai sair. A negociação com a União Europeia é natimorta e não parece haver vontade política para qualquer acordo de livre comércio – de fato, acontece o contrário, com medidas protecionistas e indícios de retaliação entre os dois maiores países do bloco, Brasil e Argentina.

Reformular o Mercosul para que o bloco seja mais agressivo na busca de acordos comerciais seria a melhor solução. Hoje, por exemplo, o bloco é cada vez menos importante nas relações comerciais brasileiras e nada indica que isso vá mudar. O gráfico mostra as relações comerciais entre o Brasil e o Mercosul nos últimos dez anos, em participação no total da pauta brasileira.

Participação do Mercosul no total exportado e importado pelo Brasil – 2005/2015.

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Podemos ver como o Mercosul é o destino de cerca de 10% das exportações brasileira, enquanto as importações brasileiras do bloco tem diminuído, como proporção do total, no tempo. A maior parte dos ganhos comerciais da integração intra-bloco, como o aumento do comércio intra-industrial, já ocorreu. Não há razão para buscarmos maior integração intra-bloco e o futuro do Mercosul deveria estar em acordos multilaterais. Poderíamos fazer parte do Trans-Pacific Partnership e chegar ao século XXI, em vez de retroceder com protecionismo barato e até chegar ao ponto de negar a participação no novo acordo sobre bens de tecnologia de informação (Information Technology Agreement), assinados por 80 países em julho desse ano

Pode ser que tenhamos que abandonar um acordo comercial, o Mercosul, para aumentar o livre comércio no Brasil. Mais um paradoxo da nossa turbulenta história e reflexo do nosso distanciamento do mundo. Enquanto permanecermos fechados continuaremos a destruir nossa indústria e perder oportunidades, como a da recente desvalorização cambial. É um erro achar que o protecionismo mantém nossa indústria viva – ela está morrendo não somente pelo câmbio valorizado até pouco tempo, mas pela falta de competitividade e produtividade, consequências de altos custos internos e falta de exposição à competição internacional. Precisamos usar a crise recente como estopim para reformas estruturais – uma delas é a maior integração comercial. Com ou sem Mercosul. O ideal seria um movimento conjunto com os outros países do bloco para acordos comerciais com outras partes do mundo. Mas se não houver vontade política dos outros países em avançar nas discussões de livre comércio, ruim sem o Mercosul, pior com ele.

Escolhas ruins – o aumento dos aposentados que recebem acima do salário mínimo.

publicado em 11 de julho de 2015

Duas importantes medidas, ambas ruins, foram aprovadas nas últimas semanas pelo legislativo brasileiro – novas regras para aposentadoria e o reajuste real para aposentados que recebem acima do salário mínimo. Ambas as decisões tem impacto significativo nos orçamentos corrente e futuro, e revelam uma forte preferência pelas gerações antigas em detrimento das novas gerações, um padrão em todo o orçamento público brasileiro.

A Câmara aprovou a extensão dos reajustes aos benefícios de valor superior a um salário mínimo pagos pela Previdência Social (aposentadorias e pensões). Aqui quero responder uma simples pergunta: essa extensão é justa e faz sentido para o os aposentados que ganham mais que o mínimo? A resposta é um inequívoco NÃO!

Qualquer orçamento público, em qualquer esfera e em qualquer parte do mundo, revela escolhas de políticas públicas e é pressionado por grupos de interesse. A eficiência do gasto público depende do grau de captura do poder público por grupos de interesse e da própria eficácia da máquina pública. Os trade-offs em termos de priorização dos gastos públicos deveriam ser claros, embora hoje não o sejam, e, no final das contas, nenhum governo age em todas as frentes, elencando prioridades não somente por causa da complexidade da orçamentação pública, mas também por causa dos benefícios políticos gerados pela escolha de poucos problemas fundamentais a serem atacados. Uma questão fundamental é: não temos recursos para tudo e, portanto, devemos priorizar políticas publicas em uma escala que não fazemos no Brasil e na maioria dos mercados emergentes.

Não há mágica em orçamento público, temos que fazer escolhas, muitas vezes dolorosas. Podemos gastar mais que arrecadamos, mas não todo o tempo. O Estado brasileiro é imenso e com gigantescas demandas sociais. Precisamos priorizar como vamos resolvê-las. Um dos casos mais interessantes é o que coloca em contraponto as novas versus as antigas gerações.

Enquanto as últimas votam e tem poder político, as novas gerações simplesmente carecem de mecanismos de pressão. O resultado? Efetivas escolhas políticas que beneficiam os mais velhos em detrimento dos mais novos. Vemos isso na priorização do ensino superior ao fundamental e, mais fortemente, no debate sobre os reajustes e regras para a previdência. Por que as últimas decisões são particularmente nefastas? Por vários motivos, mas aqui quero atacar primeiro o aumento do reajuste das aposentadorias. Para isso precisamos destruir alguns mitos que cercam o debate sobre o reajuste da previdência.

1 – É justo que alguém que tenha contribuído pelo teto de 10 salários mínimos receba hoje 3 ou 4?

Sim, por dois motivos – primeiro, a previdência é uma ferramenta de redistribuição de renda – existem contribuintes líquidos e recebedores líquidos do sistema.  Ou seja, parte do que arrecadamos com a contribuição de quem o faz pelo teto vai para quem contribui menos do que recebe (como aposentadorias rurais, por exemplo). Segundo, um salário mínimo do passado não representa o mesmo hoje em dia  – como o salário mínimo tem recebido reajustes reais significativos durante os últimos quinze anos, o mínimo do passado é MUITO MENOR do que o salário mínimo de hoje.

O segundo motivo é que não existe forma de comparar a contribuição do passado com o recebimento corrente. No passado falávamos em múltiplos do salário mínimo por um simples motivo: com a hiperinflação os salários mudavam todo o mês e, portanto, a única forma de tentar saber a evolução real dos salários era atrelá-lo a alguma outra variável, nesse caso, os múltiplos. Hoje em dia simplesmente não faz sentido algum falarmos em múltiplos de salário mínimo, já que a inflação está na casa de um dígito por ano. Ademais, um salário mínimo hoje vale muito mais que um salário mínimo no passado e, portanto, não podemos compará-los no tempo. Provavelmente 3 ou 4 salários mínimos hoje valem o mesmo ou até mais que 10 salários mínimos no passado e, assim, quem contribui no passado até ganha mais hoje do que sua contribuição.

2 – Se não houver uma política salarial que garanta que o benefício do aposentado cresça, no mínimo, o correspondente ao salário mínimo, com certeza absoluta, ligeirinho, ligeirinho, todos os aposentados do Regime Geral ganharão somente um salário mínimo, não importando se pagaram sobre dez, sobre cinco, sobre oito ou sobre três”, disse Paulo Paim, em um artigo publicado no Estado de Minas.

Sob as condições corretas, o que o Senador diz seria excelente para a sociedade. Se a produtividade do trabalhador brasileiro aumentar e o salário mínimo subir acima da inflação constantemente, as aposentadorias deveriam sim convergir para um salário mínimo que, nesse caso, seria elevado e capaz de suprir as necessidades médias de um indivíduo. Além disso, o Senador não leva em conta a função redistributiva do regime da previdência – se todas as aposentadorias aumentarem de forma real, como o salário mínimo tem aumentado,  isso significa uma redistribuição de renda de quem trabalha para quem se aposentou – um extremo ganho para gerações antigas em relação às novas gerações. Isso porque os outros salários da economia (os que ganham acima do mínimo) não sofrem os mesmos reajustes reais. Seria cada vez melhor ser idoso no Brasil, sob essas condições.

Os salários brasileiros acima do mínimo não crescem na mesma proporção do salário mínimo e, portanto, as aposentadorias acima do mínimo não deveriam crescer na mesma proporção do salário base da economia. Estamos, mais uma vez, ignorando gerações futuras para satisfazer necessidades de curto prazo que não fazem sentido econômico. O aumento, atrelado ao salário mínimo, dos aposentados que recebem mais que um salário mínimo é extremamente danoso para o Brasil, seja no presente ou futuro. Com as restrições orçamentárias, estamos tirando dinheiro das novas gerações, mais uma vez, sem a devida contrapartida social.

O Atraso Brasileiro. Abaixo o Protecionismo, parte 1.

publicado em 05 de maio de 2015.

O Brasil é o país mais fechado do mundo ao comércio internacional, o que não deveria surpreender ninguém que se depara com os preços de produtos importados e a falta de produtividade das empresas brasileiras, muitas delas sem acesso às cadeias globais de produção. Já escrevi sobre isso no Valor Econômico, mas aqui quero ir mais a fundo. Existe um lado bom em termos uma economia fechada, contudo. São muitos os ganhos potenciais a serem apropriados em acordos de comércio multilaterais, se sairmos do nosso marasmo para encarar negociações sérias e diminuir o gigantesco protecionismo às empresas locais. Nesse post quero começar a desmistificar alguns argumentos sobre comércio e como podemos criar ganhos para toda a economia se abrirmos, mesmo que medianamente, a nossa economia.

Otaviano Canuto, Conselheiro sênior do Departamento de Desenvolvimento Econômico do Banco Mundial, escreveu muito bem sobre os novos acordos comerciais no mundo. Perdemos o barco da Parceria Trans-Pacífico (Trans-Pacific Partnership – TPP) e mesmo o Mercosul é uma piada perto do que a região pretendia com essa área de comércio na década de 90.

Para reforçar o argumento de que o Brasil é o país mais fechado do mundo, podemos pegar os dados da câmara de comércio internacional (ICC) e olhar como o país se comporta em relação aos outros países do G20. O ICC publica um índice de abertura econômica e nele vemos que o Brasil está em último lugar entre seus pares, mesmo considerando países também fechados como Índia, Indonésia, China e até a Argentina, que limita importações porque há anos enfrenta problemas cambiais severos.

Ranking dos Países do G20 – Abertura de Mercado, 2014.

Abertura para o mundo

Fonte: ICC, 2014.

Destrinchando a tabela acima vemos que o Brasil vai mal em todos os quesitos, sendo especialmente ruim em relação a abertura comercial e políticas de comércio, mas não muito melhor em relação a abertura a investimentos diretos estrangeiros (IED) e infraestrutura para o comércio internacional. O escore final não deixa dúvidas, com o Brasil estando bem abaixo de todos os países, desenvolvidos ou não, ricos ou pobres. Resta a dúvida: porque não buscar ganhos de comércio, em vez de manter políticas protecionistas que datam de meados do século passado?  Para entender o problema, precisamos primeiro desmistificar o processo de abertura comercial para compreender o real efeito de acordos comerciais sobre a economia como um todo e os diferentes agentes econômicos em particular.

Os ganhos de comércio podem ser divididos em dois tipos, os derivados de vantagens comparativas e os resultantes de economias de escala (internas e externas) e comércio intra-indústria. Uma introdução ao tema pode ser vista aqui e aqui. O que é importante notar é que o assunto não é controverso. Sabemos exatamente como medir os efeitos de abertura comercial e os efeitos sobre as economias locais. Para entender como os mitos surgem precisamos dividir os efeitos de uma abertura comercial sobre os agentes locais, alguns desses interessados em perpetuar os mitos sobre o livre comércio. Os efeitos de uma abertura comercial sobre os agentes econômicos locais são:

1 – Os consumidores ganham.

Esse é o efeito que é fácil de entender. Mais competição gera maior variedade e menores preços. Com a diminuição das tarifas os produtos importados ficam mais baratos, com maior acesso da população a esses produtos, sem contar a diminuição dos custos das empresas que utilizam insumos importados. Restringir o comércio é limitar as escolhas dos consumidores e tutelar o que podemos comprar – resultando na nossa “maravilhosa” tradição de ter pessoas com elevado padrão de renda indo a Miami comprar enxovais de bebê e se desesperando ao comprar toneladas de roupas em Nova York.

2 – Existe uma rearranjo alocativo, com indústrias locais “importadoras” perdendo e as “exportadoras” ganhando.

Abertura comercial gera especialização. Isso significa rearranjo dos fatores de produção, outra forma de dizer que algumas indústrias perdem e outras ganham. E esse efeito é uma das grandes fontes de conflito, pois as indústrias que perdem com o comércio incentivam politicamente o protecionismo, com o argumento de que o livre comércio destrói empregos dessas indústrias. Contudo, outras indústrias ganham com o comércio, com mais empregos e eficiência produtiva.

3 – Cresce a especialização dentro da indústria.

Uma das fontes de ganhos de abertura está no comércio intra-industrial, que significa o aproveitamento de economias de escala para especialização em determinados produtos dentro de cada setor. Um exemplo simples é o da indústria automobilística. Antes da abertura comercial as empresas brasileiras tinham que produzir todo tipo de carro (vamos imaginar que sejam três tipos, carros pequenos, médios e grandes). Após a abertura a indústria nacional se especializou em carros pequenos (1.0) e alguns tipos de carros médios, importando os outros tipos ou integrando a produção nacional às cadeias globais de valor, com partes do processo produtivo no Brasil. O resultado? As exportações E importações de carros explodiram, gerando maior variedade e acabando com a fama de carroça dos carros brasileiros. O mesmo aconteceria em várias outras indústrias com a abertura comercial – elas não desapareceriam, mas se especializariam em determinados produtos, exportando mais, enquanto o país importaria a variedade não produzida localmente. Os preços tenderiam a cair não somente por causa da diminuição das tarifas, mas também pela eficiência e economias de escala. O problema é que eliminar tarifas causa perdas para poucos Eliminating a barrier causes large loss for a (vocal) few and small benefits for everyone.

4 – O governo perde arrecadação.

Tarifas aduaneiras são fontes de receita do governo. No fundo, são uma taxação sobre os consumidores de produtos importados (indivíduos e empresas que os usam como insumos) em favor das empresas locais, sendo que as mais eficientes recebem menos e as ineficientes mais (ambos de forma indireta). No Brasil as receitas aduaneiras são pequenas como proporção do PIB e não representam significativa perda de arrecadação se o país assinar acordos internacionais de livre comércio.

5 – A sociedade como um todo ganha.

Bem-estar social pode ser medido de várias formas. Uma é agregar os efeitos sobre todos os agentes econômicos para mensurar o efeito sobre a sociedade. No presente caso, seria somar os efeitos sobre consumidores, empresas locais e o governo. É fácil mostrar (sugiro o capítulo 9 do livro de Krugman e Obstfeld) que para países pequenos e grandes o protecionismo gera o que os economistas chamam de deadweight loss, ou perda de eficiência alocativa. A razão é simples – quando um país como o Brasil se fecha para o comércio a indústria local tem que produzir a maioria dos produtos consumidos localmente, mesmo quando essa produção é ineficiente. É só pegarmos os exemplos dos computadores – durante anos tivemos a maldita Lei da Informática, cujo objetivo era criar uma indústria nacional de computadores. Durante todo o tempo de vigência da lei os computadores eram caríssimos no Brasil e a produção local risível de tão ruim. Ainda hoje mantemos elevadas tarifas para a importação de todo o tipo de produtos de alta tecnologia. O resultado é a existência de uma indústria local ruim, ineficiente, e custos de produção elevados para todo o resto da sociedade, já que esses produtos são fundamentais para diversos processos produtivos. No final não saímos do país somente para comprar enxovais, mas também os últimos produtos de informática e telefonia, que são estupidamente caros no Brasil. Abrir a economia diminuiria rapidamente parte do custo Brasil, que impede a competitividade da maioria das empresas brasileiras. Em qualquer modelo de comércio internacional a especialização traz ganhos para a sociedade, seja ela pequena ou grande, pobre ou rica. Especialização gera eficiência.

6 – Existem argumentos racionais para o protecionismo.

Livre comércio puro é uma fantasia. Nenhum país o pratica e nem o praticará no futuro próximo. Nenhum acordo multilateral de livre comércio chega ao ponto de estabelecer uma zona completa de exclusão tarifária. Os argumentos para o protecionismo são baseados em falhas de mercado e/ou existência de economias externas de escala. Assim, teríamos que:

  • Indústrias nascentes precisam de proteção para amadurecer (base da políticas de substituição de importação que vigorou dos anos 50 até início dos 90).
  • Algumas indústrias se beneficiariam de economias externas de escala se forem protegidas.
  • Em alguns setores os riscos de investimento são muito grandes e o governo deve ajudar (argumento para criar Petrobras, Vale etc).
  • E a existência de mercados financeiros incompletos leva à necessidade de proteger a indústria local.

Alguns desses argumentos fazem sentido em determinadas períodos do desenvolvimento industrial de um país. No Brasil, muitos deles já se perderam no tempo, mas ainda formam a base da nossa atual e completamente ultrapassada política comercial. Nos próximos posts vamos discutir como montar uma política comercial racional que combine abertura comercial com ganhos dinâmicos para a economia – inclusive discutindo os custos e benefícios de subsídios diretos em vez de restrições comerciais. De qualquer maneira, a existência de algumas dessas falhas de mercado no Brasil significa que em nenhum momento vou prescrever como política comercial uma abertura total e irrestrita.

7 – Abertura comercial afeta a distribuição de renda.

Não há dúvidas de que abertura comercial afeta a distribuição de renda de um país. Mas aí está um dos potenciais ganhos para a sociedade brasileira – o livre comércio tende a privilegiar os setores abundantes em determinados fatores de produção em detrimento daqueles que utilizam fatores escassos. Normalmente dividimos os fatores de produção em quatro tipos – mão de obra qualificada, pouco qualificada, capital e recursos naturais. No Brasil claramente ainda temos uma economia abundante, relativamente, em recursos naturais e trabalho pouco qualificado. Maior abertura comercial elevaria a produção desses setores em detrimento de outros, menos abundantes em mão-de-obra qualificada. Ou seja, a renda dos trabalhadores menos qualificados no Brasil aumentaria relativamente a dos outros trabalhadores, diminuindo a desigualdade de renda.

Uma forma de ver isso é o impacto do protecionismo sobre a formação das grandes metrópoles brasileiras em meados do século passado. Com a política de substituição de importações, o resultado foi um aumento relativo dos salários dos trabalhadores qualificados em relação ao dos pouco qualificados. As indústrias se formaram nos bolsões de mão de obra semiqualificada e qualificada, atraindo migrantes do Brasil inteiro à procura dos maiores salários vigentes nas indústrias protegidas (e no incipiente setor de serviços que apoiava o crescimento industrial). Estamos pagando o preço disso até hoje, que começou com a aglomeração inicial dessa migração nas periferias e favelas nas grandes cidades. Precisamos melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores pouco qualificados e uma das formas de fazer isso, por mais paradoxal que possa parecer, é através da abertura comercial.

Nos próximos posts vamos entrar nos mitos sobre o livre comércio (que nunca vai ser de livre de fato) e como podemos começar uma política comercial mais racional que a atual, que torna o Brasil um dos países mais atrasados e fechados do mundo.

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Maioridade Penal e o Absurdo do Curto Prazo.

publicado em 05 de abril de 2015.

Um post curto sobre um assunto que não deveria ter nem começado. Não é propriamente um assunto de economia, embora tenha elevado impacto sobre a renda futura – alguns resultados interessantes mostram uma relação entre desemprego e crimes contra propriedade, mas não crimes hediondos. Reduzir a maioridade penal não é a primeira solução (first-best) ou nem n-ésima solução para o problema da segurança no Brasil. Colocar isso em pauta é privilegiar o curto prazo e tentar uma solução paliativa para um problema profundo que carece de soluções planejadas e com visão de longo. Curto-prazismo destruindo o futuro de parte de uma população desfavorecida.

E as evidências que temos sobre o problema mostram que a prisão pura simplesmente não funciona (aqui, aqui e aqui). Aprisionar parte de uma geração em vez de procurar soluções de longo prazo é de uma leviandade e preguiça ímpares. Só um exemplo de uma política efetiva de redução de criminalidade: obrigar os jovens a completar o ensino médio, por si só, reduz a criminalidade juvenil (pela nossa legislação, menores não cometem crime, mas sim atos infracionais – aqui uso a palavra crime no seu uso coloquial). Não existem evidências de que reduzir a maioridade penal reduza o crime e as melhores teorias modernas apontam para uma série de fatores que não podem ser corrigidos somente com prisão. Duas perguntas básicas:

Por que um contrato social de punição e não de reabilitação? Nesse caso, por que não investir na reabilitação dos menores (o futuro do país), em vez de jogá-los fora em um sistema punitivo?

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Porque devemos aumentar o preço da gasolina.

Publicado em 09 de Março de 2015.

A gasolina devia ser muito mais cara no Brasil, mesmo com o preço do petróleo em queda no mundo. Pelo menos 40%. Não todos os combustíveis, mas somente a gasolina. Devemos rever a política atual para ajustar o mercado com objetivos de longo prazo, mesmo que hoje venhamos a sofrer com alguns custos da mudança de política. O processo de manutenção do preço da gasolina artificialmente baixo nos últimos anos gerou alguns efeitos extremamente ruins para a economia brasileira. Entre eles:

1 – Estrangulou a cadeia sucroalcooleira;

2 – Transferiu renda dos mais pobres aos mais ricos;

3 – Incentivou o uso de veículos individuais poluidores;

4 – Impediu a competição no mercado de combustíveis (fortalecendo o monopólio da Petrobras, mas retirando seu fluxo de caixa).

5 – Desincentivou a criação de soluções alternativas de transporte público.

Claro que a gasolina barata também tem seus benefícios para a sociedade, em especial uma menor inflação temporária e um incentivo à cadeia automobilística, importante fonte de produção industrial e geração de valor agregado. Ainda assim, é importante debelar alguns mitos sobre a questão da gasolina.

Mito #1 – O aumento do preço da gasolina apresenta efeito cascata sobre a inflação.

Isso é um mito porque o efeito cascata, embora pequeno, é consequência do aumento do preço do diesel, não da gasolina. É o diesel que representa um custo de produção para diversas atividades de distribuição, não a gasolina. É possível separar o preço dos dois combustíveis sem gerar canibalização – ou seja, sem que os indivíduos possam passar a usar diesel em vez de gasolina. Aumento do preço da gasolina tem um efeito “once and for all” sobre a inflação, pois não impacta os custos de produção.

Mito #2 – O preço da gasolina afeta todo mundo.

Na verdade, o preço da gasolina afeta basicamente as classes mais favorecidas, que possuem 1 ou mais automóveis particulares. O número total de automóveis no Brasil (particulares ou não) é de cerca de 48 milhões, sendo 26 milhões somente no Sudeste (dados da Anfavea, 2015). Desse total, uma parte é relacionada as frotas de empresas de locação de veículos e outra não circula (são placas que não foram baixadas no cadastro do Renavam). Ainda assim, a taxa de automóveis por habitante no Brasil (1 a cada 4,4) é relativamente alta e concentrada em centros urbanos. Um preço de gasolina tabelado e baixo significa redistribuir renda de toda a sociedade brasileira para a camada mais rica da sociedade, um completo desatino.

Mito #3 – A gasolina deve ser barata já que não há alternativa de transporte público.

Esse argumento é falho porque viola o princípio de escolher a melhor solução para a sociedade (first-best solution). O problema da falta de transporte público não deve ser resolvido com gasolina barata e sim com investimento em transporte de massa. Fazer diferente é continuar incentivando o transporte individual e retirar uma pressão de demanda sobre a melhoria do transporte coletivo. Sim, uma política de preços altos de gasolina vai estrangular a renda de várias famílias que vão acabar optando por um transporte coletivo de má qualidade. Talvez assim venhamos a criar uma pressão real para melhorar o transporte de massa.

Mais ainda, o tabelamento do preço da gasolina no Brasil gera um enorme custo à competição no setor, resultando em ineficiência, falta de entrantes e dependência de uma só empresa, a Petrobras, para abastecer o mercado interno. Um enorme custo à sociedade brasileira, que ainda viu a cadeia sucroalcooleira ser punida pela falta de preços de mercado para os combustíveis.

Uma política de gasolina cara, como na Europa, é saudável para o Brasil no longo prazo e tem efeitos importantes sobre o meio-ambiente. Retira subsídios às famílias mais ricas, incentiva o transporte coletivo, troca incentivos da cadeia automobilística para a sucroalcooleira e reforça o uso de combustíveis menos poluentes. Ainda assim, temos que manter um diesel relativamente barato, para não afetar os custos de produção, ainda mais em período de alta inflação. Manter o tabelamento de preços dos combustíveis da forma que é feito no Brasil não traz benefícios de curto prazo e ainda cria distorções importantes no longo prazo. Está mais do que na hora de rever essa política.

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Os limites do Governo.

Publicado em 29 de Janeiro de 2015.

Na visão brasileira o governo é onipotente, é o animador que controla a marionete e que faz tudo acontecer no país. Perdi as contas das perguntas de jornalistas que começam com: hoje saiu o dado X, abaixo das expectativas, o que o governo deveria fazer para resolver esse problema? A resposta, para a maioria dessas perguntas é: nada! Não há nada que o governo deva fazer em resposta a um dado. As políticas econômicas não deveriam ser mudadas ao sabor dos ventos da conjuntura, mas deviam ser pensadas em termos estruturais. O que queremos ser no longo prazo e como chegar lá? De outra forma, devíamos ter mais Estado e menos governo.

Mas que Estado seria esse? No Brasil gostamos do que os americanos chamam de Estado-babá – ou seja, queremos que o governo resolva todos os problemas da sociedade, de um gato preso numa árvore às aposentadorias dos funcionários públicos. Isso vale para as políticas macroeconômicas e em todos os aspectos econômicos e sociais – o Estado brasileiro sustenta parte da produção cultural através da Lei Roaunet, cria diversos grupos de interesse através de leis da meia-entrada e desconto para idosos, e ainda financia parte significativa de ONGs, que no início foram criadas exatamente para complementar o Estado através de ações da sociedade civil, mas que no Brasil acabam recebendo recursos do próprio Estado. Mesmo com nosso Estado onipresente (embora longe de onisciente), muitas pessoas ainda adoram reclamar que pagam muitos impostos e recebem pouco em troca. Mas isso é um mito.

Mito: os brasileiros pagam muitos impostos e recebem pouco em troca.

Isso é um mito porque a capacidade de atuação do governo brasileiro está atrelada a sua capacidade de arrecadação, no longo prazo. Como temos uma das piores distribuições de renda do mundo o financiamento do Estado cai sobre uma parcela relativamente pequena da população. Isso não é diferente em alguns outros países e até nos EUA os 1% mais ricos pagam cerca de 35% do imposto de renda federal. Em qualquer sociedade temos contribuintes líquidos e recebedores líquidos do Estado. Como o Brasil é desigual, é natural que os contribuintes líquidos recebam em troca parcela bem menor do que contribuem. Em um país mais homogêneo, como a Dinamarca, o contribuinte líquido recebe a maior parte do que investiu no Estado de volta, pelo simples fato que sua contribuição marginal líquida é menor pela distribuição de renda ser maior.

Porque essa percepção é tão forte no Brasil, então? Pela simples razão de que em países com melhor distribuição de renda a classe média, por definição, não é nem contribuinte nem recebedora líquida do Estado e, portanto, recebe de volta o que investe em termos de impostos. No Brasil, como a classe média  contribui fortemente para o Estado, já que o número de recebedores líquidos é imenso, dada a pobreza e desigualdade do país, ela não recebe E NÃO TEM COMO RECEBER, no curto prazo, recursos de volta iguais aos que investiu no Estado. Somente no futuro, à medida que o Brasil se tornar menos desigual, pelo aumento de renda das classes menos favorecidas, é que a contribuição marginal da classe média vai cair e essa sensação de que pagamos muito impostos vai diminuir.

Ou seja, os brasileiros (contribuintes líquidos) de classe média ou classe alta não devem e não deveriam receber de volta o que pagam. O Estado brasileiro tem que ser repensado. Nunca vamos e nem devemos chegar perto de um Estado mínimo – nós brasileiros gostamos da ideia de uma rede de proteção social ampla, saúde e educação gratuitos e um Estado forte. Só que da forma que o Estado brasileiro está desenhado ele simplesmente não consegue cumprir todas as promessas à sociedade. Por um lado, a capacidade de financiamento do Estado pela sociedade está no limite, com uma relação impostos/PIB de cerca de 36%. Por outro, simplesmente colocamos nas mãos do Estado quase todas as decisões sobre investimentos, regulação e envolvimento na atividade econômica.

Precisamos repensar o Estado para hierarquizar as prioridades. Tomemos o exemplo da infraestrutura, um dos crônicos problemas da economia brasileira. Paulo Vicente, da Fundação Dom Cabral, estima que estamos atrasados cerca de 30 anos em relação ao resto do mundo em termos de investimentos em infraestrutura. O Estado brasileiro simplesmente vai ser incapaz de resolver isso com recursos próprios. Nesse sentido, privatizações, PPPs e marcos regulatórios que alavanquem investimentos privados são fundamentais para acelerar os investimentos em infraestrutura. E isso deve ser feito em larga escala e com planejamento para as próximas décadas. Mas como sair do abstrato? Primeiro elencar as prioridades. Queremos um modelo com transporte público? Caso a resposta seja positiva, deveríamos começar a pensar, por exemplo, em diversas novas linhas de metrô de forma simultânea nas grandes capitais. É difícil? Claro que sim. Mas uma nova linha a cada 20 anos é completamente inútil no longo prazo. Nesse sentido, anéis rodoviários não seriam uma prioridade de longo prazo, ainda mais no caso do Brasil, onde muitas obras já nascem com sua capacidade máxima esgotada. Poderíamos assim, dadas essas hipóteses, justificar uma simples escolha: na nossa agenda não entraria investimentos rodoviários, mas sim em outras formas de transporte público de massa.

O Bolsa Família deu certo. Mas precisamos ampliar as oportunidades pros menos favorecidos (o próximo post é sobre meritocracia e oportunidades). Como maximizar o uso do dinheiro público pra isso? Essa é uma questão fundamental em um Estado com limite de capacidade de financiamento. Precisamos urgentemente de um plano de ação para o Estado que não inclua necessariamente mais recursos. Mas estamos longe de pensar em eficiência. Está mais que na hora de mudar isso.

Que se dane o Curto Prazo.

Publicado em 22 de Janeiro de 2015.

Dane-se o longo prazo. Essa é a realidade brasileira. A taxa de desconto de qualquer ação no Brasil, seja um empréstimo, política pública ou análise econômica, é extremamente alta, levando-se a uma fixação quase doentia no curto prazo. Pulamos como loucos a qualquer número novo que aparece, e usamos esses números para justificar qualquer visão de mundo que tenhamos. Esse é o padrão das discussões econômicas no Brasil: imagine que nessa semana saiu um novo dado sobre a taxa de desemprego. Se ela foi mais baixa que a esperada isso vai ser usado, por um lado, como argumento para mostrar como o Brasil na verdade está no caminho certo e que as teorias conspiratórias sobre a derrocada do Brasil são teorias conspiratórias, e o governo vem acertando na condução da economia. Por outro lado, argumentos vão ser criados para mostrar que na verdade os dados são maquiados pela geração nem-nem, os desalentados e as pessoas esponjas dos programas sociais, o que significaria que, na verdade, o desemprego “real” seria muito maior.  Qualquer dado macroeconômico que venha melhor do que o esperado vai ser usado por quem gosta do governo como validação das políticas econômicas e vai ser desconstruído por quem é contra o governo. E vice versa – um número ruim é prova cabal da incompetência eterna do governo, enquanto para seus apoiadores é culpa da conjuntura internacional, forças ocultas, malvados empresários etc.

A realidade é mais simples: “one data point is not Science”, ou seja, um dado sozinho não representa nada, não é tendência de coisa alguma e não diz nada sobre o futuro ou presente do país. O que precisamos urgentemente é definir métricas de longo prazo que signifiquem o norte para políticas econômicas que igualem ao máximo as oportunidades para os indivíduos e preparem a economia para que os mercados aloquem de forma mais eficiente investimentos, sem que o governo deixe de ter participação na formação bruta de capital fixo ou em alguns setores relevantes para o desenvolvimento do país.

Porque temos essa fixação no curto prazo, que existe em outros países, mas é ainda maior no caso brasileiro? A resposta é bastante simples: fomos traumatizados pelo período de hiperinflação e ainda tomamos decisões como se fosse 1992. Não conseguimos nos planejar no longo prazo seja na pessoa física, jurídica, ou mesmo em termos de políticas governamentais (meu livro Vida de Rico sem Patrimônio expande bastante essa hipótese). Nosso horizonte de planejamento é de um mês, ainda falamos em salários mensais e, no máximo, nos planejamos para as próximas férias. Nem os governantes, em sua maioria, com ciclos de quatro anos de governo, conseguem fazer planejamento que vá além do final do ano corrente. Projetos de infraestrutura que requerem ciclos bem longos são bem difíceis no Brasil, pelo menos no modelo atual. E, enquanto o mundo começa a caminhar para decisões que levam em conta o meio-ambiente e seu valor para a sociedade, caminhamos na direção oposta, aceitando a destruição ambiental em nome de um crescimento econômico que nunca chega[1].

Isso parece muito abstrato? Esse é outro erro comum nas análises sobre a economia brasileira – estabelecer críticas ou políticas abstratas e nunca propositivas e concretas. Por exemplo, muitas pessoas concordam que um dos problemas brasileiros é a educação e que deveríamos melhorá-la. Mas poucas pessoas elegem esse problema como premente, porque a solução não pode ser conseguida em poucos dias, meses ou anos. Na hora da eleição é muito mais fácil escolher promessas de obras de saneamento, feitas em meses, do que melhoras na gestão da educação. É quase uma questão de desconto hiperbólico.

Como resolver esse problema? No caso da educação, traçar objetivos de curto e médio prazos que possam medidos. O que não pode ser medido não serve pra nada. O correto então é dividir esses objetivos de longo prazo em objetivos menores e tratáveis, encontrar métricas de sucesso e outras evidências e estabelecer projetos que sejam escaláveis.

Podemos inclusive usar conceitos modernos como os de Lean Start-Up para projetos na área de educação, estabelecendo projetos pilotos que possam ser replicados. Por exemplo, podemos montar uma escola com regras próprias, nos moldes que consideramos perto do ideal, com condições de trabalho decentes, salários maiores, alguma medida (monetária ou não) de remuneração por desempenho, plano de carreira de longo prazo, maior facilidade de demissão de professores ruins (com medidas bem definidas pra isso) e mensuração dos resultados para os alunos. Sabemos que professores melhores fazem muita diferença (trabalhos importantes podem ser lidos aqui  e aqui), e que a garantia de estabilidade sem contrapartida cria desincentivos à melhora de desempenho. Sabemos também que o número de professores bons é pequeno e, portanto, devemos expandi-lo rapidamente. Como fazer? Tornando o emprego mais atraente. Mas é um erro achar que tornar a profissão mais atraente é simplesmente pagar salários mais altos. Dentro do sistema atual isso significaria aumentar o salário de todos os professores, bons e ruins, o que é impraticável e não resulta em produtividade ou eficiência. O ideal é uma combinação de prêmio por produtividade E plano de carreira de longo prazo bem definido, além de vários elementos de desenvolvimento profissional, como treinamento, feedback, colaboração e observação durante toda a sua carreira. Salário sem expectativas de longo prazo significa muito pouco. E, mais ainda, nada disso é possível sem melhora na gestão das escolas. Mudar tudo isso envolve quebrar diversos grupos de interesse, desde sindicatos até gestores municipais, e o resultado só apareceria no longo prazo. Precisamos redefinir a carreira dos professores, tornando-a atrativa e pensando no longo prazo, e não buscar soluções paliativas como simplesmente entregar mais recursos, sem gestão, à educação. Ou seja, colocar uma regra como 10% do orçamento para a Educação é irrelevante. Não resolve nada a não ser aumentar o incentivo ao desperdício de recursos.

O mesmo vale para diversas outras áreas. Qual o modelo de longo prazo que queremos? Como podemos dividir os passos para chegar nesse modelo? Como pegamos experiências internacionais e outras evidências para chegar lá? No Brasil sabemos que não queremos ser, para ficar em uma simplificação grosseira, um país de individualistas como nos EUA ou coletivistas, com extrema rede de proteção social, como os países da Escandinávia. Queremos soluções que façam sentido para um país de classe média baixa que gosta de rede de proteção social, mas cuja desigualdade de renda previne soluções demasiadamente coletivistas. Ainda muito abstrato? Quando chegarmos nas proposições de políticas essas ideias gerais deverão ser traduzidas em propostas concretas de ação. Que se dane o curto prazo e que venha o longo. Precisamos de modelos de decisão para isso.

[1] Saímos de uma matriz energética razoavelmente limpa para uma em que usamos cada vez mais termelétricas movidas à gás e carvão e tudo isso sem resolver nosso problema crônico de falta de energia segura e barata. Nossa matriz energética atual é o fruto dessa falta de visão de longo prazo. Enquanto na Alemanha, Dinamarca e mesmo na China há uma preocupação em melhorar a matriz energética, simplesmente não há plano de longo prazo para isso no Brasil. Tivemos uma crise em 2001, com racionamento, e nem assim aprendemos.

Uma nova Agenda para o Brasil

Publicado em 15 de janeiro de 2015

Precisamos de uma agenda de desenvolvimento de longo prazo livre de ideologias. Queremos virar um país desenvolvido, mas estamos longe de termos instituições que apoiem isso. Aqui quero construir uma agenda dinâmica de longo prazo para o Brasil, baseada em uma estrutura bem definida: começa com antecedentes, segue para os axiomas (hipóteses) e somente então desenvolve propostas gerais.

Uma agenda racional, propositiva e consistente, baseada em evidências. Quase como uma abordagem de engenharia para problemas econômicos. A antítese da frase do Cazuza: Ideologia, eu não quero uma para viver. Afinal, estamos presos a um contrato social no qual temos a pretensão de um Estado babá, falta de accountability, deterioração do meio ambiente, desigualdade persistente,  e um crescimento chinês que nunca virá. Ao longo dos próximos posts vamos explorar as características principais dessa agenda de longo prazo para chegarmos as propostas concretas.

Para isso, primeiro devo deixar claro que qualquer proposta segue logicamente os antecedentes e axiomas. Isso tem como objetivo deixar explícitas as hipóteses de trabalho.  O principal antecedente é o que mostra que toda e qualquer medida econômica enseja custos e benefícios. Não existe almoço grátis. Uma decisão racional somente pode ser feita medindo-se os custos e benefícios e realizando-se um juízo de valor. Os axiomas representam o guia para que se possa fazer juízos de valores e para que se tome decisões que coloquem em uma balança custos e benefícios à sociedade. Mas tão importante quanto tudo isso é definir os problemas de forma absolutamente precisa. Problemas mal formulados não tem soluções e quanto melhor a definição, mais fácil julgar os cursos de ação. Nunca teremos ações como: vamos fazer uma reforma trabalhista. A ideia de uma reforma trabalhista é importante, mas precisamos definir: o que vamos reformar? Que direitos vamos expandir e quais outros vamos tirar? Como flexibilizar o mercado perdendo o mínimo possível de direitos? As respostas a essas perguntas formam um conjunto de ações e não propostas abstratas de como trazer o Brasil para o século XX (quiçá para o século XXI).

Mas por quê agenda dinâmica? Porque, como qualquer conjunto de propostas, esse é inicial e precisa ser melhorado através de debates e evidências. E temos excelentes evidências de como resolver os problemas da sociedade, por mais incrível que possa parecer. Sabemos porque os países degeneram[1], da importância das instituições[2], como combater a pobreza[3], que sustentabilidade é fundamental[4], e muitos outros tipos de conhecimento que antes não estavam disponíveis a economistas, sociólogos e outros cientistas sociais. Por exemplo, James Heckman, um dos maiores economistas vivos, está se dedicando a estabelecer evidências concretas e surpreendentes sobre como melhorar o sistema educacional.

Toda essa construção tem um objetivo e um objetivo somente: ajudar a preparar a economia brasileira para o desenvolvimento de longo prazo, o mesmo longo prazo no qual estaremos todos mortos[5], mas que exatamente por isso resulta em uma falta de planejamento de longo prazo no Brasil. Ou seja, aqui privilegiamos o longo ao curto prazo, a essa mania brasileira de analisar qualquer dado novo como se fosse tendência. Aqui não me preocupo com os dados de inflação da semana, nem com o PIB de 2015 (ou 2016). Assumo que o curto prazo não importa e que precisamos fazer escolhas importantes e difíceis para o país.

É importante entender os axiomas que são a base dessa proposta e que determinam os juízos de valor que norteiam as decisões de políticas de longo prazo. Os axiomas são:

1 – A necessidade de muitos se sobrepõe a de poucos: o Brasil é recheado de grupos de interesse. É preciso minimizar o impacto sobre diversos grupos de interesse importantes, mas se for preciso, uma política que beneficie toda a sociedade deve se sobrepor às necessidades de determinados grupos de interesse.

Corolário 1: rótulos são completamente irrelevantes. Esquerda ou direita, revolucionário ou reacionário, desenvolvimentista ou neoliberal, libertário ou estatista, conservador ou socialista. O que importa é resolver problemas.

Corolário 2: os extremos são estúpidos, tanto os revolucionários populares que querem esmagar os burgueses reacionários até os objetivistas que pregam que o individuo faz todo seu futuro, sem o papel de instituições ou ambiente sócio-econômico.

Corolário 3: em algum momento quase todo mundo vai se sentir ofendido pelo que escrevo. Afinal, a minha proposta tenta limitar a influência de grupos de interesse locais nas decisões do que é melhor para o conjunto da sociedade. E todos nós fazemos parte de algum grupo de interesse.

Corolário 4: o debate é bem vindo. Se algo apresentado aqui estiver errado, muda-se. O objetivo final é melhorar a sociedade e não estabelecer que o autor da proposta está certo – quanto maior o Ego do autor, menos importantes as propostas.

2 – Devemos sempre tentar escolher a melhor opção para resolver um problema, se possível, e não nos contentarmos com a segunda ou terceira ou enésima solução.  Também, definir os problemas de forma absolutamente precisa e tomamos decisões baseadas em evidências.

Corolário 1: no primeiro momento não devemos nos concentrar no que é possível em termos de arcabouço jurídico ou institucional. Se a melhor solução for realmente importante, mudam-se as leis ou instituições para acomodar o que for melhor para sociedade (ver a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma mudança jurídica e institucional extremamente relevante para o país). Já fizemos reformas previdenciárias, criamos e destituímos a CPMF e mudamos várias vezes marcos regulatórios. Ou seja, primeiro devemos desenhar a melhor solução possível e depois tentar transformar em realidade negociando o que é possível politicamente.

Corolário 2: Não precisamos de achismos. A maioria dos problemas, quando bem definidos, apresentam evidências sobre qual o melhor curso de ação.  A maioria dos nossos problemas é tratável quando são colocados de forma explícita e separados para análise detalhadas. Não adianta tentar resolver tudo de uma vez. Intervenção com evidência e não por decreto. Isso não quer dizer que programas por decreto não possam funcionar (O Bolsa Família é um grande exemplo de um programa realizado com pouca evidência prévia de que ia funcionar, mas que virou um grande exemplo mundial[6]). Experimentos podem ser importantes fontes de inovação, mas devem ser colocados dessa forma: como experimentos de política e não soluções de longo prazo.

Corolário 3: devemos tomar cuidado com as consequências inesperadas (“unintended consequences”), ou seja, a inter-relação entre diferentes questões.

Corolário 4: às vezes a melhor solução é não fazer nada.

3 – Os mercados são mais eficientes que o governo, mas não são perfeitos. As políticas brasileiras tendem a ser muito intervencionistas, gerando diversos tipos de distorção. Isso não quer dizer que mercados totalmente livres sejam a solução ideal. Como em qualquer área, custos e benefícios de intervenções devem ser levantados e somente então devemos propor políticas que visem beneficiar toda a sociedade. Exemplo: O BNDES é necessário, pois nosso mercado de capitais de longo prazo é embrionário. É possível que o desenvolvimento de um mercado de capitais de longo prazo sólido diminua a relevância do BNDES até sua extinção, mas para isso os mercados brasileiros precisam de uma quantidade imensa de eficiência, algo que é inclusive difícil de vislumbrar hoje. Podemos discutir qual o papel que o BNDES deve ter no longo prazo, mas ele ainda vai ser necessário durante um bom tempo.

Corolário 1: vamos precisar estabelecer hierarquias de prioridade. Mas os trade-offs não são simplistas. Não é uma questão de crescimento ou sustentabilidade. Arrocho salarial ou déficit público, desemprego ou inflação. A ideia é construir condições para que no longo prazo podemos tentar equacionar todas essas questões.

4 – Os grandes problemas econômicos no Brasil podem se traduzir em eficiência e produtividade – ou seja, qualquer ação que promova qualquer um dos dois é bem vinda.

Corolário 1: Os problemas brasileiros normalmente não se devem a falta de recursos, mas sim à sua gestão. Entregar royalties de petróleo à educação não é solução, é incentivar o desperdício se for feito sem o acompanhamento de políticas adequadas de eficiência e gerenciamento.

Corolário 2: o que importa são os gargalos de longo prazo, não de curto. Por exemplo, educação é mais importante que saúde no longo prazo, porque o sistema de saúde brasileiro, por mais falho que seja, não é uma barreira ao desenvolvimento de longo prazo. Ou seja, educação faz parte da nossa agenda de reformas, enquanto saúde não, por mais que o sistema de saúde impacte a qualidade de vida da sociedade no curto prazo.

5 – Meritocracia não existe sem oportunidades iguais. É um erro achar que podemos introduzir mecanismos meritocráticos sem primeiro estabelecermos igualdade de oportunidades.

Corolário 1: cotas e outros mecanismos que aumentem o leque de oportunidades são bem-vindos. Precisamos levar oportunidades a quem não tem. Sem isso continuarem no nosso modelo capenga de desenvolvimento (mais sobre isso no futuro)

Corolário 2: não adianta introduzir meritocracia no serviço público sem determinar carreiras de longo prazo e critérios de oportunidade que não levem em conta somente o tempo de trabalho no cargo.

6 – Pobreza não é nobre. Pessoas pobres não são burras ou preguiçosas. É imperativo reduzir a desigualdade até níveis aceitáveis.

Corolário 1 – Pobreza normalmente não é uma escolha. Pessoas que recebem benefícios sociais, por exemplo, normalmente não gostam de estar nessa situação. Se elas recebem benefícios sociais, é porque faltam oportunidades para melhores empregos ou fontes de renda. Muitas vezes é racional acessar a rede de proteção social e não trabalhar, se a receita marginal do trabalho for maior que a diferença entre a desutilidade do trabalho mais o benefício social – por exemplo, para uma pessoa ficar em casa cuidando dos filhos. Mas quando a escolha for a pobreza, respeite-se.

Corolário 2: Pobreza é uma questão de número de escolhas possíveis. Devemos ampliar o número de escolhas possíveis. Hoje o Brasil apresenta uma gigantesca disparidade de vantagem genética: ou seja, a família na qual você nasce determina o número de escolhas possíveis que você pode ter no futuro, em grande medida. Devemos reduzir essa vantagem genética e aumentar a mobilidade social, assunto pouco tratado no Brasil. Mesmo em países desenvolvidos a mobilidade social é baixa.

Corolário 3: trabalhar também não é nobre. Se fosse não seríamos pagos por isso. É preciso respeitar a decisão das pessoas que consideram o trabalho um estorvo, mas isso não significa que a sociedade deva bancar um bom padrão de vida para elas. Bertrand Russell e Keynes estavam certos (a primeira frase de Keynes, “estamos sofrendo de um ataque ruim de pessimismo econômico”, parece descrever o estado permanente do Brasil).

8 – Devemos respeitar as escolhas das pessoas sempre que possível.

Corolário 1: se não prejudicar ninguém, libere-se. Um bom exemplo é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Aumenta o leque de escolhas pessoais sem prejudicar ninguém.

9 – Políticas para jovens são melhores que políticas para pessoas mais velhas. No longo prazo, uma sociedade é tão melhor quanto suas gerações futuras.

Corolário 1: Em educação isso ainda é mais importante. Heckman já mostrou como os primeiros anos de estudo geram ganhos de produtividade muito maiores que focar em recuperar anos de estudo posteriormente.

10 – A culpa nunca é dos outros e sim é sempre nossa. Nossos problemas não vinham do FMI no passado nem de crises externas, no presente. Accountability é algo que falta em todos os níveis da sociedade brasileira.

Corolário 1: O Brasil não é especial. Nossa comida não é a melhor, nem nossa música. O petróleo não é nosso, nem o futebol. Nosso povo talvez seja um dos mais agradáveis, mas é só isso.

Corolário 2: Devemos copiar o que for melhor dos outros países. Não vamos ser iguais aos EUA nem a Suécia, mas devemos pegar o que funciona em cada um, baseado em evidências.

11 – Expectativas e estabilidade importam. Vários erros são cometidos pela tentativa de gerenciamento da economia no curto prazo sem buscar condições de estabilidade de longo prazo.

Corolário 1: Ganância não é um problema social. Na verdade, é um bem social[7]. Empresários são extremamente relevantes para o desenvolvimento da sociedade e tomam suas decisões baseadas em potencial de lucro futuro. Eles geram empregos e deveriam ter sua vida facilitada para maiores investimentos – e criação de empregos. Um ambiente estável favorece investimentos.

12 – Há um consenso que o desenvolvimento de longo prazo vêm de instituições fortes: direitos de propriedade bem definidos; sistema jurídico eficiente e equânime; um setor público com accountability e pouco corrupto; estabilidade no ambiente de negócios E para os direitos sociais.

Corolário 1: O Brasil ser o país mais fechado do mundo para o comércio internacional atrasa demasiadamente o desenvolvimento. Comércio é uma importante instituição econômica.

Qual o resultado das propostas que vão ser o resultado da análise da realidade brasileira em conjunto com esses axiomas? Um Novo Contrato Social e um consenso para uma agenda de reformas.

Nesse novo contrato é um imperativo moral incluir os excluídos, expandindo oportunidades e escolhas, e desmistificar o papel dos empresários, que são vistos como predadores pela sociedade. Precisamos resolver os gargalos sociais e econômicos do Brasil, não no curto, mas no longo prazo. É um projeto de décadas, mas que se não for iniciado hoje, vai manter o Brasil na sua condição premente de país do futuro. Que espero que um dia chegue.

Esse é um projeto longo, que vai demorar um pouco até chegar a propostas concretas. Nos próximos posts vou delinear melhor o que estaria nesse novo contrato social, para então podermos caminhar para buscar soluções, baseadas em evidências, para os nossos problemas. Mas uma coisa garanto, os próximos posts serão mais curtos.

  

[1] Eu recomendo fortemente o livro Why Nations Fail por James Robinson and Daron Acemoğlu. Ao longo dos próximos posts vou recomendar leituras que acho que são relevantes para os assuntos que tratamos aqui. Em especial, as fontes das evidências que são a base das ações e políticas propostas. Infelizmente, a maioria não tem tradução em português.

[2] Hoff e Stiglitz escrevem um excelente artigo introdutório sobre o tema, chamado Modern Economic Theory and Development and the Role of Institutions. Uma resenha em do trabalho institucional de Stiglitz pode ser lida aqui.

[3] Poor Economics, de Abhijit Banerjee e Esther Duflo, é um trabalho acessível e poderoso, mostrando como se mudou a forma de se pensar o combate à pobreza. É uma excelente fonte de evidências sobre o assunto.

[4] Para um caso extremo, faça uma busca por meio-ambiente+China ou climate+change.

[5] Parafraseando Keynes, ainda uma excelente leitura, mesmo depois de quase 80 anos desde seu Magnum Opus.

[6] A melhor história sobre a evolução do Bolsa Família é a matéria da revista Piauí cujo título é O Liberal Contra a Miséria. Vale o registro no site para ler a matéria.

[7] Você pode ver Milton Friedman falar sobre isso – com legendas ou ler uma tradução de Capitalismo e Liberdade (1962) . Friedman é um advogado do capitalismo de livre mercado e suas ideias muito radicais para um agenda propositiva para o Brasil. Mas assim como todos os pensadores clássicos – e ele já é um clássico na área de Economia – vale a pena ser lido. Na nossa agenda podemos pegar ideias desde Marx até Von Mises, desde que nos ajudem a resolver problemas.

Siga-me no twitter: @RodZeidan

2 thoughts on “Economia Pragmática

  1. Olá
    Achei o texto excelente. Não só pelas propostas concretas, mas pela agenda em si e pela forma de resolver os problemas. A questão que permanece é se existe algum plano para colocar essa agenda e esses princípios em prática? Como fazer com que os governantes, a mídia, os empresários e as pessoas em geral parem de girar entorno do curto-prazo? Como convencê-las a rejeitarem suas ideologias e abrirem-se para o diálogo e a construção de soluções? Perceba que faço essas perguntas, não para criticar, mas na esperança de que existam respostas e estaria disposto a participar de iniciativas nesses sentido.
    Atenciosamente
    Pedro Silva

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    1. Caro Pedro,

      Meu trabalho aqui é de tecnocrata. Não sou cientista político, não sei como mobilizar a classe política para adotar reformas de longo prazo. O que sei é que sem uma agenda de longo prazo coerente fica mais difícil pensar em soluções que aliem os interesses econômicos e políticos. A minha ideia é propor essa agenda coerente, científica e propositiva, que idealmente seria discutida e entraria no programa político de alguém para aplicá-la. Precisamos de partidos com propostas políticas, mas não sei como sair das ideias para ação. E críticas são sempre bem vindas! Afinal, esse é um espaço para refinar as ideias para pensarmos um Brasil de longo prazo que alie eficiência econômica com melhorias sociais.

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