É consenso que professores, especialmente de ensino fundamental, ganham pouco. Logo, parece justo que devemos pagar salários melhores para esses profissionais. Salários dignos para professores é uma bandeira universal. E como muito do bom senso, errada. Não, não devemos pagar salários dignos para professores. Pelo menos, não sem mecanismos de seleção decentes. Devemos sim pagar salários dignos para UMA PARTE dos professores que estão trabalhando, e remunerar dignamente somente aqueles que geram valor para a sociedade. Explico, mas antes uma digressão.

Já escrevi muito sobre o modelo de educação brasileiro. Publiquei recentemente um livro sobre como desenhar o modelo correto. Ele custa somente R$ 9 em sua versão eletrônica e é grátis para aqueles que nada puderem pagar. Você pode comprá-lo aqui. Abaixo a seção sobre a importância da qualidade dos professores.

Qualidade dos professores importa, e muito.

Sabemos que nossa estrutura está errada e que investimentos em idade pré-escolar geram muito mais retorno social do que os feitos na outra ponta do sistema. Ao mesmo tempo, é possível recuperar as diferenças entre crianças, tanto em termos cognitivos como não-cognitivos, dentro do sistema escolar, só é muito mais caro do que investir antes. Não vamos virar uma Coréia do Sul da noite pro dia, já que o material de entrada do nosso sistema é muito inferior ao dos países asiáticos de classe média ou alta, em geral. Mas, com certeza, podemos melhorar o resultados dos nossos investimentos em educação se focarmos no que realmente importa, que é a qualidade dos nossos professores.

Professores importam porque aprendemos, nas últimas décadas, a estabelecer relações de causalidade entre qualidade dos professores e resultados dos alunos, tanto em termos de outputs sociais como, principalmente, o impacto sobre renda futura. Estudos como os de Eric Hanushek resumem os principais resultados da literatura. Existem diversas dificuldades em determinar essa causalidade, sendo as duas principais o ranqueamento dos professores, do pior ao melhor, e o isolamento do efeito professor de todos os outros efeitos que impactam a renda futura dos alunos. Para determinar esse efeito, usamos duas medidas principais: o percentil em que se encontra o professor (por exemplo, nonagésimo percentil indica que ele ou ela se encontra entre os 10% melhores professores) e os desvios-padrão, ou seja, como o efeito do professor afeta o aprendizado do alunos em termos de melhora dos últimos em relação à média dos alunos.

Como exemplo, Hasushek usa o efeito médio de um professor no 69º percentil sobre a renda futura de um aluno, ou seja, um professor acima da média, mas não muito acima da média (de fato, um desvio-padrão acima da média). O efeito desse professor sobre a renda futura dos alunos é de cerca de U$10,500 ao longo da vida desses alunos. Esse valor não é gigantesco, mas se pensarmos que ele acontece, em média, em cada aluno que esse professor teve, podemos ver o imenso benefício, em termos de renda, que a sociedade teria se mais alunos tivessem aula com esse professor, em vez de um professor mediano (obviamente, um professor mediano está no 50º percentil). Bons professores geram imenso benefício social, algo que sempre soubemos, intuitivamente, mas que agora podemos estimar. Um professor no 84º percentil, com 20 alunos por ano somente, aumentaria a renda agregada desses alunos em mais de U$400 mil, ao longo de suas vidas. E em mais de U$2 milhões, em termos agregados, se tiver somente 5 turmas por ano (é claro que esse valor não cresce de forma constante e não adiantaria ficar entupindo esse professor de mais aula, mas com certeza cresce linearmente até um número razoável de turmas). Outra forma de ver isso é através do conhecimento dos alunos. Um aluno que tenha aula com um professor do 90º percentil aprende, em um ano, quase um ano e meio de material. Enquanto isso, um aluno que tem como professor aquele no 10º percentil aprende, em um ano, somente seis meses de conteúdo. Não é somente greves que limitam o acesso a conhecimento por parte dos alunos. Professores ruins simplesmente não conseguem fazer com que uma turma aprenda todo o material do ano. É com lembrar que, embora a maioria dos resultados sejam para escolas nos Estados Unidos, também vemos exatamente o mesmo padrão em muitos outros países, como Inglaterra, Equador, etc.

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Figura – Impacto da qualidade dos professores na renda futura dos alunos. Fonte: Hanushek, 2011.

Infelizmente, a simetria nesses resultados se mantém em todas as dimensões. Um professor no 16º percentil, ou seja, muito abaixo da média, destrói U$400 mil de renda futura de seus alunos.

A tabela abaixo mostra como o nosso conhecimento sobre os efeitos econômicos do impacto de bons professores se distribui em termos da qualidade de ensino, com algumas hipóteses razoáveis sobre o retorno financeiro no mercado de trabalho, taxa de depreciação do conhecimento adquirido (uma variável fundamental na mensuração da eficácia do ensino, pois revela o quanto um aluno carrega do seu ensino ao longo do tempo) e desvio-padrão, indicador da qualidade do professor em relação à média.

Tabela – Estimativa do retorno econômico anual baseado na renda vitalícia dos alunos em US$ e parâmetros (σt= 0,2; ϕ=0,13; θ=0,3)

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Os resultados da tabela mostram o impacto sobre a renda futura do trabalho dos bons professores. É bom lembrar que os resultados acima se concentram somente nos resultados financeiros e não incorporam os ganhos não cognitivos dos alunos. Além das óbvias questões metodológicas em se classificar a qualidade dos professores, um dos pontos centrais para construir a tabela acima está em estimar o parâmetro de depreciação do conhecimento, ou seja, a que taxa o conhecimento permanece com os alunos ao longo do tempo. Por exemplo, os resultados de Chetty et al. (2010) mostram que os resultados no jardim de infância permanecem e afetam os rendimentos dos adultos, enquanto resultados no ensino médio se dissipam rapidamente. Ou seja, bons professores no jardim de infância impactam mais a renda futura do que diferenças na qualidade do ensino após o ciclo fundamental.

Não há como gerar ganhos sociais simplesmente criando incentivos para os bons professores. Precisamos ou tirar os ruins ou melhorar sua qualidade, para que o aumento no ganho social não seja compensado pela questão de simetria. Por exemplo, se simplesmente a sociedade substituísse os professores ruins por professores medianos, os ganhos sociais seriam imensos! Ainda, os bons professores são ainda mais importantes para a camada mais pobre da população. Enquanto as famílias ricas conseguem compensar professores ruins ao longo do tempo, seja mudando os alunos de escola ou levando-os para as melhores escolas, as famílias pobres ficam “reféns” do sistema de ensino público. Nesse caso, bons professores podem gerar grande impacto por conseguir elevar a produtividade de alunos de famílias que não teriam como buscar isso no mercado. Isso também é verdade para o diretor da escola. Branch et al (2013) mostram que bons gestores escolares podem melhores o aprendizado dos alunos em algo entre 2 a 7 meses em um ano escolar. Assim como para os professores, o resultado é simétrico, e diretores ruins diminuem a capacidade de ensino dos alunos.

Nos EUA, Thomas Kane, de Harvard, estimou que se os alunos negros tivessem aula com os melhores 25% professores norte-americanos, o gap entre brancos e negros acabaria em somente oito anos.  A questão da qualidade dos professores é fundamental para desenharmos um sistema mais equânime e eficaz. Precisamos, e podemos, melhorar a qualidade do sistema simplesmente melhorando a qualidade dos professores. E isso passa, necessariamente, por questões como discriminação de salários, melhoria das condições de trabalho, e treinamento ou demissão dos professores realmente incompetentes. Não é a primeira etapa a ser feita para redesenhar o sistema brasileiro, mas será necessária assim que começarmos a evoluir nas políticas da primeira infância.

Plano para execução da reforma educacional.

Se queremos pagar salários dignos para professores, a reforma tem que ser feita em três estágios.

1 – Expulsar os professores ruins.

2 – Aumentar o salário dos professores existentes e que são bons.

3 – Contratar professores bons com esse novo salário.

4 – Fazer tudo de novo daqui a 5 anos, expulsando os professores ruins.

Não tem outra forma de fazer. Criar salários dignos sem reformular a carreira de docência vai gerar risco moral e seleção adversa. De outra forma, pessoas que não seriam bons professores vão buscar a carreira, destruindo valor da sociedade. E aí entra o paradoxo. Criar salários dignos para professores provavelmente diminuiria o retorno para a sociedade! Gastaríamos muito mais e o sistema poderia ficar pior, dependendo da qualidade dos novos entrantes.

Não tem outro jeito que não seja essas etapas. É assim que foi feito no mundo todo. Mas aqui achamos que as soluções são fáceis. Não são. Sem mecanismo de seleção os custos de aumentar salários para professores aumentam com certeza, sem nenhuma garantia de que benefício para a sociedade. Professores bons geram muito valor para a sociedade, mas lembrem-se que professores ruins destroem o mesmo valor. Se não resolvermos essa situação, nada mais importa. E salário bom não garanto que essa situação mude.

Ah, mas é impossível demitir professores estatutários, dirão alguns. Solução simples: pagamos para que os professores ruins trabalhem na parte administrativa das escolas ou mesmo fiquem em casa recebendo salário. Mas que parem de destruir valor da sociedade. Nos EUA, trocar os professores ruins por medianos levaria o sistema a ser tão bom quanto no Canadá ou Finlândia. No Brasil, galgaríamos muitos degraus simplesmente fazendo isso.

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Fonte: Hanushek, 2011.

E a reforma deve ser sequencial. Mas não seria mais fácil tentar passar tudo de uma vez? A teoria dos jogos responde e a resposta é: não. O jogo político é de incentivos. Se houver uma proposta de, ao mesmo tempo, aumentar salários dos docentes e expulsar os ruins, há um incentivo muito grande para o gestor e os outros jogadores (sindicatos, professores bons e ruins) de aprovar um plano que aumente o salário e não tire os professores ruins. A reforma precisa de credibilidade. Por isso o jogo não deveria ser simultâneo e sim sequencial. Dessa forma: passa-se o mais difícil, que é a reformulação da carreira docente, com a promessa de melhora da carreira. Aí, podemos lançar um plano de contratação de professores com novos salários. E teremos melhores professores com salários dignos. Só aumentar salários não resolve nada. Mais do mesmo, grupos de interesse sugando recursos da sociedade sem querer contrapartidas. Precisamos nos livrar dos professores ruins, para que os bons possam brilhar. Não há outro jeito.