Há um paradoxo muito interessante quando analisamos o comportamento das pessoas em relação aos seus investimentos em educação: embora o retorno desses investimentos seja bastante alto, ainda assim muitas, ou a maioria das pessoas, aloca seus esforços para melhorar seu nível educacional de forma sub-ótima. Ou seja, educação dá dinheiro, mas nem assim muitas pessoas se esforçam.
A grande pergunta desse post é (os anteriores encontram-se aqui): devemos ter uma provisão pública ou privada de serviços de educação? Ou seja, o ensino público universal de qualidade é a melhor forma de desenhar um sistema educacional, ou devemos combinar partes públicas e privadas? Em último caso, devemos tirar o setor público desse setor essencial à economia?
Na NYU em Shanghai tenho como colega um dos maiores economistas da educação no mundo, Steven Lehrer, que antes era professor em Queens, no Canadá. Muito do que segue abaixo, inclusive o caso de Quebec, é resultado de nossas discussões e do uso das melhores fontes sobre o tema.
A questão de definição de políticas públicas depende primeiro do entendimento de como são distribuídos os retornos de educação, em termos de retornos sociais e privados. Ainda precisamos dividir os retornos em pecuniários e não-pecuniários. A ideia é simples, se o retorno de educação for basicamente privado e monetário, as pessoas deveriam buscar por si maiores investimentos em educação e, assim, o governo teria pouco papel na provisão de serviços públicos. É claro que a realidade mostra que, embora os retornos financeiros sejam altos, há uma série de retornos sociais da melhora do sistema educacional. Abaixo, um resumo dos retornos de aumento do nível educacional, divididos em mercado e não-mercado, e em retornos privados e sociais.

É importante lembrar que nem todo benefício privado ou social é igual para todos os níveis de ensino. Por exemplo, ensino superior retorna mais benefícios privados que sociais, enquanto educação básica gera maiores benefícios sociais. Por exemplo, melhor nível educacional básico tem forte conexão com redução de crime e transmissão de doenças infecciosas (através, na maior parte do mundo, de vacinação), mas esses efeitos são muito pequenos na passagem da educação de nível médio para ensino superior. Isso também vale para felicidade, pelo menos no caso dos EUA, como mostrado por Oreopoulos and Salvanes, 2011. E é exatamente por isso que na maior parte do mundo a provisão de educação básica é papel do Estado, enquanto é aceitável que o sistema privado forneça parte (crescente) do ensino superior.
No caso do diploma de ensino superior, os retornos financeiros para a busca do diploma são altos no mundo inteiro, seja em termos de emprego ou renda. No Brasil, contudo, um fenômeno estranho acontece: simplesmente não há diferença, em termos de taxa de desemprego, entre os trabalhadores mais ou menos qualificados. No mundo inteiro, essa diferença é marcante, como mostra a tabela abaixo.

No Brasil, analisando a série do IBGE para trabalhadores com menos de 8 anos de ensino, entre 8 e 10 anos, e com mais de dez anos (que classifico como ensino fundamental, médio e superior por conveniência), podemos ver que há um co-movimento entre as séries ao longo do tempo. Simplesmente ter diploma superior no Brasil não faz diferença em termos de taxa de desemprego. E também mostra que a crise está atingindo todo mundo, pois o desemprego vai continuar aumentando significativamente nos próximos meses, para todos os tipos de pessoas.

Mas emprego não é tudo. No Brasil, educação, para o indivíduo, gera mesmo é dinheiro. A grande vantagem financeira que deveria incentivar os indivíduos a buscar cada vez mais escolaridade, e uma das razões da nossa desastrosa distribuição de renda, é o diferencial de renda para indivíduos com mais ou menos anos de escola. A tabela abaixo mostra essa diferença, com indivíduos com ensino superior ganhando mais de 3 vezes, na média, do que indivíduos com ensino fundamental incompleto.

O prêmio por boa educação é particularmente alto no Brasil (em países desenvolvidos chega a pouco mais de 150%, enquanto no Brasil é maior que 200%) e um dos responsáveis pela nossa péssima distribuição de renda. É claro que a escolaridade em si não responde por toda a diferença salarial entre indivíduos, mas pelo menos um terço dessa diferença é explicado pelos distintos níveis educacionais.
Esse é o fundamental paradoxo brasileiro: existe um grande prêmio por educação a ser capturado pelos indivíduos, mas nem assim as famílias brasileiras apresentam forte apego à educação, e nem o Estado oferece oportunidades iguais. O prêmio em outros países é menor do que no caso brasileiro, mas em todo o mundo, mais educação gera mais dinheiro, com taxas de retorno, em países em desenvolvimento, de mais de 10% ao ano[1]. Na China, onde moro grande parte do ano, o prêmio por educação leva a uma competição desenfreada pelas famílias, com crianças que estudam até 14 horas por dia para ficar no nível máximo do GaoKao, o equivalente ao vestibular. A NYU Shanghai só aceita alunos chineses que ficam no topo da escala, enquanto a Universidade de Nottingham Ningbo, onde fui professor no passado, aceita também alunos do segundo nível. No Brasil, embora o ENEM cumpra essa função, não há o mesmo sentimento de pressão que no caso chinês, mesmo que os retornos de maior educação sejam capturados pelos indivíduos. Ou seja, não estamos somente diante de um problema de oferta, mas também de demanda. E mesmo no caso da oferta, a solução de provisão pública não seria capaz de resolver todo o problema. O pior não é isso, é que simplesmente não sabemos como fomentar a demanda por educação no Brasil. Passamos as últimas duas décadas às voltas com soluções de oferta, da criação de milhares de escolas a contratação de professores e universalização do ensino. O pior é que investimos demais e errado no ensino superior, a área que traz mais retornos privados e menos retornos públicos.
Esquecemos, também, de responder a pergunta fundamental: porque as famílias não querem investir tempo, ou dinheiro, em educação? E isso vale para todas as classes sociais. E, mesmo nos concentrando em resolver o caso da oferta, temos falhado. Precisamos aprender com os erros e acertos dos outros. Por isso, no próximo post veremos o caso do Canadá, onde a universalização de creches em Quebec levou a uma desigualdade intergerações, com benefícios para os pais e piora nos indicadores dos filhos, além de um gigantesco debate sobre os benefícios dessa universalização.
[1] A menor estimativa conhecida é para o caso da Irlanda, com um retorno sobre o investimento de 4,3% ao ano, ainda assim significativamente positivo.