Com o novo desenho do site, estou reenviando o post inicial, que começou todo o meu projeto de pesquisa recente (por exemplo, com propostas sobre a reforumulação do sistema educacional brasileiro e como o limite sobre o uso da Internet pode ser ruim para o país).
Precisamos de uma agenda de desenvolvimento de longo prazo livre de ideologias. Queremos virar um país desenvolvido, mas estamos longe de termos instituições que apoiem isso. Aqui quero construir uma agenda dinâmica de longo prazo para o Brasil, baseada em uma estrutura bem definida: começa com antecedentes, segue para os axiomas (hipóteses) e somente então desenvolve propostas gerais.
Uma agenda racional, propositiva e consistente, baseada em evidências. Quase como uma abordagem de engenharia para problemas econômicos. A antítese da frase do Cazuza: Ideologia, eu não quero uma para viver. Afinal, estamos presos a um contrato social no qual temos a pretensão de um Estado babá, falta de accountability, deterioração do meio ambiente, desigualdade persistente, e um crescimento chinês que nunca virá. Ao longo dos próximos posts vamos explorar as características principais dessa agenda de longo prazo para chegarmos as propostas concretas.
Para isso, primeiro devo deixar claro que qualquer proposta segue logicamente os antecedentes e axiomas. Isso tem como objetivo deixar explícitas as hipóteses de trabalho. O principal antecedente é o que mostra que toda e qualquer medida econômica enseja custos e benefícios. Não existe almoço grátis. Uma decisão racional somente pode ser feita medindo-se os custos e benefícios e realizando-se um juízo de valor. Os axiomas representam o guia para que se possa fazer juízos de valores e para que se tome decisões que coloquem em uma balança custos e benefícios à sociedade. Mas tão importante quanto tudo isso é definir os problemas de forma absolutamente precisa. Problemas mal formulados não tem soluções e quanto melhor a definição, mais fácil julgar os cursos de ação. Nunca teremos ações como: vamos fazer uma reforma trabalhista. A ideia de uma reforma trabalhista é importante, mas precisamos definir: o que vamos reformar? Que direitos vamos expandir e quais outros vamos tirar? Como flexibilizar o mercado perdendo o mínimo possível de direitos? As respostas a essas perguntas formam um conjunto de ações e não propostas abstratas de como trazer o Brasil para o século XX (quiçá para o século XXI).
Mas por quê agenda dinâmica? Porque, como qualquer conjunto de propostas, esse é inicial e precisa ser melhorado através de debates e evidências. E temos excelentes evidências de como resolver os problemas da sociedade, por mais incrível que possa parecer. Sabemos porque os países degeneram[1], da importância das instituições[2], como combater a pobreza[3], que sustentabilidade é fundamental[4], e muitos outros tipos de conhecimento que antes não estavam disponíveis a economistas, sociólogos e outros cientistas sociais. Por exemplo, James Heckman, um dos maiores economistas vivos, está se dedicando a estabelecer evidências concretas e surpreendentes sobre como melhorar o sistema educacional.
Toda essa construção tem um objetivo e um objetivo somente: ajudar a preparar a economia brasileira para o desenvolvimento de longo prazo, o mesmo longo prazo no qual estaremos todos mortos[5], mas que exatamente por isso resulta em uma falta de planejamento de longo prazo no Brasil. Ou seja, aqui privilegiamos o longo ao curto prazo, a essa mania brasileira de analisar qualquer dado novo como se fosse tendência. Aqui não me preocupo com os dados de inflação da semana, nem com o PIB de 2015 (ou 2016). Assumo que o curto prazo não importa e que precisamos fazer escolhas importantes e difíceis para o país.
É importante entender os axiomas que são a base dessa proposta e que determinam os juízos de valor que norteiam as decisões de políticas de longo prazo. Os axiomas são:
1 – A necessidade de muitos se sobrepõe a de poucos: o Brasil é recheado de grupos de interesse. É preciso minimizar o impacto sobre diversos grupos de interesse importantes, mas se for preciso, uma política que beneficie toda a sociedade deve se sobrepor às necessidades de determinados grupos de interesse.
Corolário 1: rótulos são completamente irrelevantes. Esquerda ou direita, revolucionário ou reacionário, desenvolvimentista ou neoliberal, libertário ou estatista, conservador ou socialista. O que importa é resolver problemas.
Corolário 2: os extremos são estúpidos, tanto os revolucionários populares que querem esmagar os burgueses reacionários até os objetivistas que pregam que o individuo faz todo seu futuro, sem o papel de instituições ou ambiente sócio-econômico.
Corolário 3: em algum momento quase todo mundo vai se sentir ofendido pelo que escrevo. Afinal, a minha proposta tenta limitar a influência de grupos de interesse locais nas decisões do que é melhor para o conjunto da sociedade. E todos nós fazemos parte de algum grupo de interesse.
Corolário 4: o debate é bem vindo. Se algo apresentado aqui estiver errado, muda-se. O objetivo final é melhorar a sociedade e não estabelecer que o autor da proposta está certo – quanto maior o Ego do autor, menos importantes as propostas.
2 – Devemos sempre tentar escolher a melhor opção para resolver um problema, se possível, e não nos contentarmos com a segunda ou terceira ou enésima solução. Também, definir os problemas de forma absolutamente precisa e tomamos decisões baseadas em evidências.
Corolário 1: no primeiro momento não devemos nos concentrar no que é possível em termos de arcabouço jurídico ou institucional. Se a melhor solução for realmente importante, mudam-se as leis ou instituições para acomodar o que for melhor para sociedade (ver a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma mudança jurídica e institucional extremamente relevante para o país). Já fizemos reformas previdenciárias, criamos e destituímos a CPMF e mudamos várias vezes marcos regulatórios. Ou seja, primeiro devemos desenhar a melhor solução possível e depois tentar transformar em realidade negociando o que é possível politicamente.
Corolário 2: Não precisamos de achismos. A maioria dos problemas, quando bem definidos, apresentam evidências sobre qual o melhor curso de ação. A maioria dos nossos problemas é tratável quando são colocados de forma explícita e separados para análise detalhadas. Não adianta tentar resolver tudo de uma vez. Intervenção com evidência e não por decreto. Isso não quer dizer que programas por decreto não possam funcionar (O Bolsa Família é um grande exemplo de um programa realizado com pouca evidência prévia de que ia funcionar, mas que virou um grande exemplo mundial[6]). Experimentos podem ser importantes fontes de inovação, mas devem ser colocados dessa forma: como experimentos de política e não soluções de longo prazo.
Corolário 3: devemos tomar cuidado com as consequências inesperadas (“unintended consequences”), ou seja, a inter-relação entre diferentes questões.
Corolário 4: às vezes a melhor solução é não fazer nada.
3 – Os mercados são mais eficientes que o governo, mas não são perfeitos. As políticas brasileiras tendem a ser muito intervencionistas, gerando diversos tipos de distorção. Isso não quer dizer que mercados totalmente livres sejam a solução ideal. Como em qualquer área, custos e benefícios de intervenções devem ser levantados e somente então devemos propor políticas que visem beneficiar toda a sociedade. Exemplo: O BNDES é necessário, pois nosso mercado de capitais de longo prazo é embrionário. É possível que o desenvolvimento de um mercado de capitais de longo prazo sólido diminua a relevância do BNDES até sua extinção, mas para isso os mercados brasileiros precisam de uma quantidade imensa de eficiência, algo que é inclusive difícil de vislumbrar hoje. Podemos discutir qual o papel que o BNDES deve ter no longo prazo, mas ele ainda vai ser necessário durante um bom tempo.
Corolário 1: vamos precisar estabelecer hierarquias de prioridade. Mas os trade-offs não são simplistas. Não é uma questão de crescimento ou sustentabilidade. Arrocho salarial ou déficit público, desemprego ou inflação. A ideia é construir condições para que no longo prazo podemos tentar equacionar todas essas questões.
4 – Os grandes problemas econômicos no Brasil podem se traduzir em eficiência e produtividade – ou seja, qualquer ação que promova qualquer um dos dois é bem vinda.
Corolário 1: Os problemas brasileiros normalmente não se devem a falta de recursos, mas sim à sua gestão. Entregar royalties de petróleo à educação não é solução, é incentivar o desperdício se for feito sem o acompanhamento de políticas adequadas de eficiência e gerenciamento.
Corolário 2: o que importa são os gargalos de longo prazo, não de curto. Por exemplo, educação é mais importante que saúde no longo prazo, porque o sistema de saúde brasileiro, por mais falho que seja, não é uma barreira ao desenvolvimento de longo prazo. Ou seja, educação faz parte da nossa agenda de reformas, enquanto saúde não, por mais que o sistema de saúde impacte a qualidade de vida da sociedade no curto prazo.
5 – Meritocracia não existe sem oportunidades iguais. É um erro achar que podemos introduzir mecanismos meritocráticos sem primeiro estabelecermos igualdade de oportunidades.
Corolário 1: cotas e outros mecanismos que aumentem o leque de oportunidades são bem-vindos. Precisamos levar oportunidades a quem não tem. Sem isso continuarem no nosso modelo capenga de desenvolvimento (mais sobre isso no futuro)
Corolário 2: não adianta introduzir meritocracia no serviço público sem determinar carreiras de longo prazo e critérios de oportunidade que não levem em conta somente o tempo de trabalho no cargo.
6 – Pobreza não é nobre. Pessoas pobres não são burras ou preguiçosas. É imperativo reduzir a desigualdade até níveis aceitáveis.
Corolário 1 – Pobreza normalmente não é uma escolha. Pessoas que recebem benefícios sociais, por exemplo, normalmente não gostam de estar nessa situação. Se elas recebem benefícios sociais, é porque faltam oportunidades para melhores empregos ou fontes de renda. Muitas vezes é racional acessar a rede de proteção social e não trabalhar, se a receita marginal do trabalho for maior que a diferença entre a desutilidade do trabalho mais o benefício social – por exemplo, para uma pessoa ficar em casa cuidando dos filhos. Mas quando a escolha for a pobreza, respeite-se.
Corolário 2: Pobreza é uma questão de número de escolhas possíveis. Devemos ampliar o número de escolhas possíveis. Hoje o Brasil apresenta uma gigantesca disparidade de vantagem genética: ou seja, a família na qual você nasce determina o número de escolhas possíveis que você pode ter no futuro, em grande medida. Devemos reduzir essa vantagem genética e aumentar a mobilidade social, assunto pouco tratado no Brasil. Mesmo em países desenvolvidos a mobilidade social é baixa.
Corolário 3: trabalhar também não é nobre. Se fosse não seríamos pagos por isso. É preciso respeitar a decisão das pessoas que consideram o trabalho um estorvo, mas isso não significa que a sociedade deva bancar um bom padrão de vida para elas. Bertrand Russell e Keynes estavam certos (a primeira frase de Keynes, “estamos sofrendo de um ataque ruim de pessimismo econômico”, parece descrever o estado permanente do Brasil).
7 – Devemos respeitar as escolhas das pessoas sempre que possível.
Corolário 1: se não prejudicar ninguém, libere-se. Um bom exemplo é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Aumenta o leque de escolhas pessoais sem prejudicar ninguém.
8 – Políticas para jovens são melhores que políticas para pessoas mais velhas. No longo prazo, uma sociedade é tão melhor quanto suas gerações futuras.
Corolário 1: Em educação isso ainda é mais importante. Heckman já mostrou como os primeiros anos de estudo geram ganhos de produtividade muito maiores que focar em recuperar anos de estudo posteriormente.
9 – A culpa nunca é dos outros e sim é sempre nossa. Nossos problemas não vinham do FMI no passado nem de crises externas, no presente. Accountability é algo que falta em todos os níveis da sociedade brasileira.
Corolário 1: O Brasil não é especial. Nossa comida não é a melhor, nem nossa música. O petróleo não é nosso, nem o futebol. Nosso povo talvez seja um dos mais agradáveis, mas é só isso.
Corolário 2: Devemos copiar o que for melhor dos outros países. Não vamos ser iguais aos EUA nem a Suécia, mas devemos pegar o que funciona em cada um, baseado em evidências.
10 – Expectativas e estabilidade importam. Vários erros são cometidos pela tentativa de gerenciamento da economia no curto prazo sem buscar condições de estabilidade de longo prazo.
Corolário 1: Ganância não é um problema social. Na verdade, é um bem social[7]. Empresários são extremamente relevantes para o desenvolvimento da sociedade e tomam suas decisões baseadas em potencial de lucro futuro. Eles geram empregos e deveriam ter sua vida facilitada para maiores investimentos – e criação de empregos. Um ambiente estável favorece investimentos.
11 – Há um consenso que o desenvolvimento de longo prazo vêm de instituições fortes: direitos de propriedade bem definidos; sistema jurídico eficiente e equânime; um setor público com accountability e pouco corrupto; estabilidade no ambiente de negócios E para os direitos sociais.
Corolário 1: O Brasil ser o país mais fechado do mundo para o comércio internacional atrasa demasiadamente o desenvolvimento. Comércio é uma importante instituição econômica.
Qual o resultado das propostas que vão ser o resultado da análise da realidade brasileira em conjunto com esses axiomas? Um Novo Contrato Social e um consenso para uma agenda de reformas.
Nesse novo contrato é um imperativo moral incluir os excluídos, expandindo oportunidades e escolhas, e desmistificar o papel dos empresários, que são vistos como predadores pela sociedade. Precisamos resolver os gargalos sociais e econômicos do Brasil, não no curto, mas no longo prazo. É um projeto de décadas, mas que se não for iniciado hoje, vai manter o Brasil na sua condição premente de país do futuro. Que espero que um dia chegue.
Esse é um projeto longo, que vai demorar um pouco até chegar a propostas concretas. Nos próximos posts vou delinear melhor o que estaria nesse novo contrato social, para então podermos caminhar para buscar soluções, baseadas em evidências, para os nossos problemas. Mas uma coisa garanto, os próximos posts serão mais curtos.
[1] Eu recomendo fortemente o livro Why Nations Fail por James Robinson and Daron Acemoğlu. Ao longo dos próximos posts vou recomendar leituras que acho que são relevantes para os assuntos que tratamos aqui. Em especial, as fontes das evidências que são a base das ações e políticas propostas. Infelizmente, a maioria não tem tradução em português.
[2] Hoff e Stiglitz escrevem um excelente artigo introdutório sobre o tema, chamado Modern Economic Theory and Development and the Role of Institutions. Uma resenha em do trabalho institucional de Stiglitz pode ser lida aqui.
[3] Poor Economics, de Abhijit Banerjee e Esther Duflo, é um trabalho acessível e poderoso, mostrando como se mudou a forma de se pensar o combate à pobreza. É uma excelente fonte de evidências sobre o assunto.
[4] Para um caso extremo, faça uma busca por meio-ambiente+China ou climate+change.
[5] Parafraseando Keynes, ainda uma excelente leitura, mesmo depois de quase 80 anos desde seu Magnum Opus.
[6] A melhor história sobre a evolução do Bolsa Família é a matéria da revista Piauí cujo título é O Liberal Contra a Miséria. Vale o registro no site para ler a matéria.
[7] Você pode ver Milton Friedman falar sobre isso – com legendas ou ler uma tradução de Capitalismo e Liberdade (1962) . Friedman é um advogado do capitalismo de livre mercado e suas ideias muito radicais para um agenda propositiva para o Brasil. Mas assim como todos os pensadores clássicos – e ele já é um clássico na área de Economia – vale a pena ser lido. Na nossa agenda podemos pegar ideias desde Marx até Von Mises, desde que nos ajudem a resolver problemas.
Siga-me no twitter: @RodZeidan
Já existiam algumas evidências de programas de transferência condicionada antes do Bolsa Escola, especialmente na América Central. O progresa no México é o primeiro que me vem a cabeça. O progresa é de 1997. Em 2002, passou a ser chamado de Prospera, eu acho. E, agora, chamá-lo Oportunidades. Se não me engano, tem um na Costa Rica também.
No mais, concordo que educação é mais importante que saúde no nosso caso, mas nem sempre é assim… Basta olhar o caso da AIDS na África. Há vários papers sobre como a AIDS afeta o crescimento de longo prazo, inclusive um do Pedro Cavalcanti e do Samuel Pessoa. Posso estar enganado, mas acho que saiu no Review of Economic Dynamics.
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Obrigado pelas observações, vou incorporá-las no texto, especialmente adicionando caveats. Exatamente porque concordamos que educação é mais importante no caso brasileiro, comecei minha série de propostas pelo caso do nosso fraquíssimo sistema educacional. Você, que trabalha fora do Brasil, também deve ter a impressão de que ainda estamos parados no tempo aqui. Acho que simplesmente somos tão grandes e fechados que é difícil entender que o mundo tá caminhando, enquanto aqui estamos presos em políticas do século passado.
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Muito bom professor. Sinto falta de uma analise técnica ”livre” de ideologias. A situação da nossa economia é complexa, não temos problemas apenas em setores pontuais. De fato apenas propor liberalização ou intervenção não é o bastante. Precisamos de uma analise mais complexa. No mais, estou na espera das novas publicações.
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Apenas um pequena sugestão em termos de design. Sugiro ressaltar a hierarquia dos itens visualmente. Um negrito nos itens e um pequeno recuo nos subitens (os corolários) tornariam o texto visualmente mais fluido. Se quiser posso fazer uma pequena formatação dele em html.
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Outro detalhe, no item 12, colorário 1 há um pequeno erro no link (um parêntese no final) que deixa o link errado.
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Muito obrigado pelas indicações. Mudanças feitas, mas obrigado pela oferta de ajuda!
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