Esse é o primeiro de uma série de posts. O segundo pode ser lido aqui.
É clichê dizer que a solução para o Brasil é a educação. Falar isso é fácil, colocar em prática muito mais difícil. De boas intenções o inferno está cheio, assim como de discursos recheados de lugar comum. Tão comum quanto dizer que no Brasil o que falta é educação é ver que normalmente paramos por aí, sem muitas ideais de como sair do discurso para ações que possam, de fato, melhorar a educação brasileira. Pior, do jeito que o modelo educacional brasileiro está estruturado, não há como resolver os problemas de educação com mais recursos. O Pré-Sal deveria injetar bilhões na educação, mas mesmo que esse dinheiro entrasse no sistema, ele não teria como resultar em melhora significativa da educação no Brasil.
O problema da educação no Brasil não está relacionado à falta de recursos, pois é um problema de estrutura do sistema educacional, algo que somente há pouco começou a ser explorado pela literatura científica. As saídas que apareceram nos últimos anos no âmbito federal, como a criação de novas Universidades, o FIES e o programa Ciência sem Fronteiras, são, em última análise, um mau uso dos recursos públicos. Não porque não tragam benefícios – o FIES, em particular, melhorou o acesso ao ensino superior, mas porque simplesmente não atendem as necessidades do país em termos de educação e nem usam os parcos recursos públicos de forma eficiente[1].
Destinar os recursos do pré-sal para educação (75%) e saúde (25%) é combinar a exploração de combustível fóssil, que deveria ser a última escolha energética, com a velha tática imbecil brasileira de achar que os problemas do país são uma simples questão de falta de recursos. O argumento de que se não faltam recursos então falta boa administração também não é verdade. Independente de qualquer capacidade administrativa, baixa é claro, o sistema educacional brasileiro é mal desenhado na sua essência. Mas, na verdade, quase todos os sistemas educacionais mundiais o são. E isso pelo simples fato de que até pouco tempo atrás simplesmente não sabíamos fazer conta de retornos de investimento de educação, porque o nível educacional de uma população é multidimensional e temporal. Ou seja, o baixo resultado da educação brasileira tem vários determinantes e não há como resolver isso em um curto período de tempo.
Recentemente houve uma explosão de estudos significativos sobre como desenhar melhores sistemas educacionais, que aumentariam as oportunidades para todos os indivíduos, otimizando o uso de recursos públicos. E, como não poderia deixar de ser, no Brasil invertemos as ordens de prioridades, nos concentrando nos problemas errados e jogando rios de dinheiro buscando resultados que simplesmente são impossíveis de serem alcançados com o desenho vigente do modelo educacional brasileiro.
Mito: As escolas do passado eram melhores.
Um argumento comum sobre educação no Brasil é de que as escolas no passado eram melhoram que as escolas de hoje. Isso é um mito, porque o argumento esconde um silogismo: eu estudei numa escola pública melhor que as escolas de hoje, logo as escolas de antigamente eram melhores. Isso é resultado de um viés psicológico conhecido, obviamente, como viés egocêntrico. O desenho do modelo educacional brasileiro era muito pior no passado do que é hoje. O motivo é simples – no passado o sistema educacional somente ofertava poucas vagas e selecionava somente os indivíduos de renda mais alta. Por exemplo, em 1970 somente 69% das crianças em idade escolar estavam inscritas no ensino primário. Assim, a qualidade particular era melhor simplesmente porque a quantidade de vagas ofertadas era pequena. Aqui me refiro a qualidade como benefício para a sociedade. As escolas eram “melhores” por serem excludentes. Não mais. Quando o sistema foi expandido percebeu-se o grande gargalo do novo modelo: como garantir qualidade de ensino para um sistema que agora tem que atender toda a população? É onde estamos hoje: universalização do ensino de base, mas sem conseguirmos melhorar sua qualidade.
Mito: Gastamos pouco com educação.
Esse é o mito mais fácil de ser debelado. Os dados abaixo do INEP e IBGE mostram a proporção do gasto total com educação sobre o PIB brasileiro.

Se compararmos com outros países, vemos que na verdade estamos na verdade gastando mais do que a média dos países, dada nossa renda per capita. Abaixo temos a relação entre gastos em educação/PIB e o PIB per capita para 2014 para um grupo de países selecionados de renda média (medida pela paridade do poder de compra), entre U$10.000 e U$30.000.

Como podemos ver, somente um país gasta mais que o Brasil (6,3% em 2014 e 6,6% em 2015) em termos de gastos com educação em proporção do PIB, a Costa Rica. Entre os países sul-americanos o Brasil é disparado o que gasta mais com educação, 40% a mais que o Chile e o Uruguai, ambos países que obtém muito mais retorno para seus investimentos com educação. Mas se gastamos muito, mesmo em comparação com países muito desenvolvidos, como EUA (5,2%) e Grã-Bretanha (5,8%), porque então nosso retorno é tão baixo? Para entender a razão precisamos primeiro analisar como aumentar o retorno de investimentos em educação. Mas isso no próximo post.
[1] Dentre as três grandes iniciativas citadas, somente o FIES tem alguma condição de trazer benefícios que superem seus custos. As novas Universidades Federais e o programa Ciências sem Fronteira são simplesmente ralos de dinheiro sem muita valia para a sociedade brasileira.
Muito bom, é o tipo de texto que eu esperaria encontrar num grande jornal e muito, mas muito raramente aparece. Sempre acreditei que essa história da educação de antigamente ser melhor era um mito. Até porque antes era simplesmente possível excluir os alunos mais fracos. Uma estratégia muito usada por escolas particulares atuais para melhorar seus resultados em testes.
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