A saída do Brasil não é a educação. Simplesmente estávamos errados. Nos posts anteriores vimos como os retornos sociais são maiores o quanto antes forem feitos, que estamos presos em uma busca insana por dados quantitativos de universalização, que nossas soluções do passado passaram por criar escolas, mais professores e expandir o sistema como um todo, com isso não nos levando longe, e como investir no ensino superior no Brasil é meio que jogar dinheiro fora. Isso além do fato de que políticas públicas populares de universalização podem dar muito errado.

A verdade é que o futuro do país começa antes, com intervenções, inovações e experimentos que vão muito além da ideia de que educação começa na escola. Quando a criança entra na escola já é tarde demais.

Intervenções na Infância – Além da Escola

Para realmente traçar políticas de desenvolvimento educacional no Brasil precisamos primeiro entender que a forma como pensamos educação infantil está totalmente errada. Educação não se começa na escola e sim no pré-natal. Sim, isso parece estranho , pois como a educação de uma criança poderia começar antes dela nascer? Afinal, quando falamos que no Brasil falta educação, o que realmente queremos dizer é que precisamos de indivíduos críticos, capazes de ler e escrever, produtivos e inteligentes. Esse é o resultado da educação, certo? Não, esse é o resultado de várias intervenções sociais que vão muito além da escola e do que achávamos que seria o futuro das políticas educacionais. A educação na Dinamarca não é melhor porque lá as escolas são melhores, mas sim porque todo o ambiente institucional já criou uma disparidade entre as crianças de lá e de países pobres antes das crianças entrarem na escola. Não adianta louvar o modelo escandinavo (ou chinês, ou coreano), discutir se o modelo da escola ideal é o de Piaget, se políticas de aprovação automática são boas ou ruins, ou se a volta do ensino em horário integral é a solução. O grande campo do conhecimento que deveria nortear as políticas educacionais no Brasil é o de iniciativas iniciais infantis (early childhood initiatives). Se não mudarmos as regras de entrada, simplesmente vamos esbarras nas barreiras de retornos decrescentes e vamos continuar gastando uma grande parte do PIB em educação sem trazer retorno significativo à sociedade brasileira. E vamos continuar ouvindo incontáveis histórias de professores de ensino fundamental frustrados com seus alunos e com o papel de depósito de crianças das escolas públicas brasileiras. E aqui vai uma constatação importante: aumentar a remuneração e a qualificação desses professores infelizmente não vai adiantar nada. Vai melhorar a vida fora de sala de aula deles, mas trazer poucos resultados para a sociedade brasileira. O melhor é aumentar a capacidade do material humano que entra nas escolas. Inclusive, em alguma medida alguns professores talvez prefiram trocar um pouco de aumento de salário por alunos melhores (está aí uma pergunta interessante e passível de teste: quanto um professor escolheria abandonar de um possível aumento de salário para ter alunos melhores em sala? Em economês, qual a elasticidade renda do prazer no trabalho? Quem responder, ganha uma publicação no American Economic Review).

A ideia por trás dessas iniciativas é a de acompanhar o desenvolvimento infantil através de uma ótica que vai além de olhar a criança quando ela entra na escola e muito do desenvolvimento infantil já se consolidou. É através dessa dinâmica que James Heckman, Nobel em economia, estabeleceu o gráfico que melhor representa o retorno social de investimentos em intervenções educacionais, que repito do segundo post dessa série:

Heckman

Para entender melhor como funcionam as intervenções infantis, vou usar o exemplo do programa “Preparando para a Vida” (Preparing for Life).

O caso do Programa Preparando para a Vida [1].

Esse programa é desenhado para duração dos primeiros cincos anos de uma criança, começando in utero e indo até a entrada da criança na escola infantil, aos 4 ou 5 anos de idade. Ele começou através de uma iniciativa de representantes locais e agentes de saúde e educação de comunidades carentes em Dublin, na Irlanda. O programa estava disponível para todas as mulheres grávidas da comunidade e sua participação era completamente voluntária.

Todas as famílias participantes receberam brinquedos educativos (no valor de aproximadamente U$100 por ano), acesso facilitado à pré-escola, e eram encorajadas a participar de cursos de curta duração sobre como alimentação saudável e controle de stress. Além disso, as famílias participantes do programa foram divididas em dois conjuntos, o de tratamento e grupo controle. No grupo controle, famílias tinham acesso a um assistente social cujo papel era informar sobre todos os serviços sociais à disposição da família na comunidade, como creches e subsídios a aluguéis. No grupo tratamento, as famílias recebiam uma visita pelo menos mensal (com média quinzenal), com duração de 30 minutos a 2 horas, de assistentes sociais treinados para educar pais sobre o desenvolvimento infantil e as melhores práticas educacionais para que as crianças se desenvolvessem bem. Além disso, as famílias nesse grupo também recebiam um tratamento em grupo chamado de Triple P Positive Parenting, que começava quando as crianças faziam dois anos.

Random Control Trials e a Revolução na Avaliação de Políticas Públicas.

A ideia de dividir as famílias participantes em dois grupos é para usar a técnica de random control trial (RCT), famosa na medicina para testar efeitos de medicamentos, em um cenário de ciências sociais. Essa técnica está revolucionando a forma de fazer políticas públicas no mundo, pois dá aos pesquisadores uma forma de testar, de forma controlada, os efeitos da adoção de uma política pública na população afetada ou passível de ser afetada por ela. Há críticas ao método, que podem ser divididas, grosso modo, em falta de generalidade, por afetar poucas famílias, erro no desenho dos programas, falta de ética e abuso do seu uso para criar conclusões gerais a partir de um estudo local. Apesar de concordar que alguns estudos foram mal desenhados ou suas conclusões não deveriam ser generalizadas, o fato é que os RCTs finalmente permitem que as evidências de políticas públicas possam ser cientificamente comprovadas com o mínimo possível de viés estatístico e ideológico – as relações de causalidade seriam mais facilmente estabelecidas do que em modelos econométricos com dados secundários.

Hoje, a maior parte dos trabalhos de avaliação de políticas públicas recomendados por instituições internacionais tenta utilizar RCTs e seus resultados, embora às vezes aquém da generalidade proposta no desenho inicial, são robustos e muito interessantes. Recomendo particularmente o trabalho de livro de Banerjee e Duflo, Poor Economics, que mostra um novo olhar sobre o comportamento de famílias pobres no mundo inteiro, sendo a maior parte dos resultados frutos de RCTs.

Doyle et al (2013) analisam via RCTs o impacto dos investimentos do programa entre o pré-natal e os 18 meses de vida das crianças, medindo os efeitos tanto sobre os pais quanto nas crianças. Os resultados mostram que o impacto do programa está concentrado no comportamento dos pais e no ambiente familiar, com poucos impactos sobre o desenvolvimento infantil nesse estágio inicial de vida. Ainda assim, é muito difícil identificar avanços em crianças tão pequenos e alguns resultados positivos indicam que pode haver importantes avanços, que vão ser medidos quando essas crianças ficarem mais velhas. Isso indica que programas de visita podem ser úteis como forma de melhorar as habilidades de pais em um relativo curto espaço de tempo. Como esse programa foi desenhado mais para afetar as capacidades dos pais, podemos concluir que os resultados foram muito bons. Mas ele não é o único.

Investimentos em Intervenções na Carolina do Norte

O estado de Carolina do Norte nos EUA começou a apoiar projetos no início da década de 90. Dois programas que ficaram famosos nos EUA são o Smart Start e The More at Four. O primeiro, criado em 1993, tinha como objetivo ampliar os serviços sócio-educacionais para crianças de 0 a 5 anos, enquanto o segundo, criado em 2001, tinha como objetivo complementar as inciativas anteriores ao focar crianças de 4 anos em ambientes desfavorecidos. O trabalho de Ladd et al (2014) analisa o programa e seus resultados. Nesse caso, a ideia é medir efetivamente o resultado sobre as capacidades cognitivas e não-cognitivas das crianças. Em vez do pouco número de famílias no programa na Irlanda, os resultados de Ladd et al (2014) analisam os efeitos sobre 891.000 crianças afetadas, ao longo do tempo, pelo programa.

Os resultados são robustos e significativos: quando as crianças que participaram do programa chegam a terceira série do ensino fundamental, na média apresentam muito melhores resultados em leitura e matemática. Os autores vão além e mostram que os resultados do programa são equivalente a quatro meses de aulas de leitura e dois meses de aula de matemática. Ainda, os resultados são ainda maiores para crianças de famílias mais pobres (medidas pela escolaridade dos pais). Como o programa não é nem de longe tão caro quanto prover ensino escolar universal de terceira série, gera muito mais benefícios que custos.

Contudo, é importante entender que nem todo projeto de intervenção em crianças ou famílias com crianças pequenas gera resultados significativos. Ainda há muito que não sabemos sobre desenvolvimento infantil e como alocar recursos de forma eficiente, e é com isso em mente que, no próximo post, vou delinear novas políticas públicas para intervenções para melhora educacional de crianças na primeira idade. E, como bom economista, vou apontar de onde vai vir o dinheiro para isso.

[1] Essa seção do texto é um resumo traduzido da seção 3 do trabalho de Doyle et al (2013), que pode ser acessado aqui. Recomendo fortemente a leitura.