Nos posts anteriores vimos que o Brasil gasta uma alta parcela do PIB em educação, muito acima dos outros países de renda média e, ainda, que as evidências científicas são inequívocas em apontar rendimentos decrescentes para intervenções educacionais em relação ao ciclo de vida dos estudantes – quanto mais cedo investirmos, e isso inclui o pré-natal, melhor.
Observem que estou usando a palavra intervenção, em vez de investimento, para melhoria do sistema educacional. A razão disso é que as evidências tem mostrado que os maiores retornos de investimento são de intervenções multidisciplinares, combinando gastos com saúde (como acompanhamento pré-natal), acompanhamento pré-escolar, entre outras medidas. Mas esse assunto fica para um post futuro.
Primeiro, quero responder uma questão importante. Se gastamos muito mais que a média dos países, como proporção do PIB, em educação, e temos baixo retorno, mesmo tendo um sistema educacional desenhado, na teoria, de acordo com o resto do mundo, por quê a educação aqui é tão ruim? Obviamente, não há uma só resposta para isso, mas duas das razões são: estamos parados no tempo e gastamos muito, mas gastamos mal. Nesse post trato do primeiro assunto. Para ver como estamos parados no tempo, precisamos analisar os dados sobre o sistema educacional brasileiro. Temos um problema de oferta? Ou seja, nosso problema é falta de professores, estabelecimentos e vagas para as crianças e adolescentes? Conseguimos, afinal, universalizar o ensino de base? Para responder todas essas perguntas, nada melhor do que números. Eles não vão dizer nada sobre a qualidade da oferta de ensino, mas pelo menos podemos ter uma ideia sobre a quantidade de ensino que ofertamos para cada faixa etária.
Uma breve observação antes de começarmos a olhar os grandes dados do sistema educacional brasileiro. Precisamos entender que a população brasileira está envelhecendo. Isso faz toda a diferença em termos da canalização dos investimentos em educação. Vamos ver mais a frente que já conseguimos universalizar o ensino fundamental e que já temos, até, queda no número total de matrículas para essa faixa etária. Quando começamos o processo de universalização do ensino “de base”, em meados da década de 1990, a população brasileira ainda era muito jovem. Isso já mudou e o processo é quase certamente irreversível. Abaixo as pirâmides populacionais de uma geração atrás, em 1990, de hoje e de uma geração no futuro, em 2040.

Em 1990 a população brasileira era de pouco mais de 154 milhões de pessoas, em 2016 temos cerca de 209 milhões de residentes no país e, em 2040, chegaremos ao auge da população brasileira, com cerca 236 milhões de habitantes. A partir daí a população somente envelhece e, se não fizermos nada hoje, será composta de uma população com baixo nível de escolaridade, como hoje.
Vamos começar do geral para o específico. De acordo com os dados mais recentes, de 2014, o total de matrículas no ensino básico é de pouco menos de 50 milhões, sendo a grande maioria em escolas públicas.

Aqui podemos ver o primeiro grande retrato do Brasil, as escolar privadas respondem por somente 12,82% do total de matrículas. Outro dado importante é que o número de matrículas no ensino fundamental tem caído, em todos os estados da federação. Mas isso pode ser facilmente explicado. É o resultado do final do processo de universalização do ensino fundamental. Contudo, o número de professores (na verdade, funções docentes[1], mas ambos estão correlacionados) e o número de escolas (na verdade, estabelecimentos de ensino, mas também correlacionados) tem aumentado, mas aí não mais de forma uniforme em todo país (Fonte: Inep).
O crescimento é maior em estados mais populosos, mas ainda assim em muito poucos Estados o número de docentes não aumenta. O padrão é muito diferente se olharmos o número de escolas.
Nesse caso temos diferentes resultados, e o número aumenta sobremaneira no Sudeste e alguns estados do Sul, caindo em vários estados mais pobres. Talvez isso seja reflexo de mudanças nas proporções relativas de habitantes, seja por natalidade ou migração, mas não é esse o caminho esperado em um país cuja maior renda já está nas regiões Sul e Sudeste.
De qualquer forma, os dados mais importantes são os que revelam a estrutura do sistema educacional brasileiro. Para chegar às figuras abaixo cruzei os dados do INEP sobre matrículas com as projeções dos números de habitantes por faixa etária do IBGE. A relação que quero mostrar é a entre o número efetivo de matrículas e a população, nas suas respectivas faixas etárias. Graus de cobertura acima de 100% mostram que existem mais matrículas efetivas do que crianças nessa faixa etária, algo normal em um país de desenvolvimento no qual a) muitas crianças ficam para trás e entram no sistema em idades indevidas, b) existe repetência e c) existem matrículas de adultos que voltam a estudar depois de, às vezes, longos períodos. Para as outras faixas etárias, assumi as seguintes hipóteses sobre quem seria o público total de cada faixa de ensino: para creches, metade da população com zero ano (já que de 4 a 6 meses há licença maternidade) e as crianças de 1 a 3 anos; para o pré-escolar, crianças de 4 a 5 anos; ensino fundamental nos anos iniciais, 6 a 10 anos; anos posteriores, 11 a 14 anos; e ensino médio, 15 a 17 anos.
Abaixo os dados o grau de cobertura do ensino brasileiro, em suas faixas etárias.

Podemos ver que para alguns anos, o ensino fundamental, seja nos anos anteriores ou posteriores, tinha grau de cobertura acima de 100%, caindo para os atuais 96%. Para todas as outras faixas, houve aumento do grau de cobertura, com aumento de 14% a 28% para crianças em idade de ir a creche, 72% a 80% para as em idade pré-escolar, e de 88% a 94% no ensino médio. Contudo, somente para o caso das creches houve efetivo aumento na participação do setor público, em todos os outros casos a explicação para essa diferença é a matrícula do setor privado. Abaixo podemos ver o grau de cobertura da provisão de serviços públicos no Brasil, também por faixa de ensino.

Do gráfico acima temos que a participação na provisão de serviços públicos de educação pouco mudou na oferta de vagas pré-escolares e de ensino médio, com queda (esperada) no ensino fundamental. O único aumento foi na provisão de creches.
E, agora sim, podemos reforçar o contrato social brasileiro em relação à provisão de educação: a sociedade brasileira vê como dever do Estado a provisão de ensino fundamental. Após um grande salto até 2007, simplesmente paramos no tempo: não conseguimos avançar na melhora quantitativa do ensino pré-escolar, nem no ensino médio. O avanço da classe média nos últimos anos, que passou a consumir serviços privados de educação, escondeu um problema grave de oferta por parte do sistema educacional brasileiro: desenhamos um sistema quase todo voltado para universalização do ensino fundamental, considerado de base. O problema é que, como vimos no post anterior, o ensino de base começa muito antes do que pensávamos. Não obstante alguns esforços em ampliar os serviços de creche, estamos parados no tempo, achando que a solução para educação está no ensino fundamental. E erramos em dobro quando nos preocupamos somente com índices quantitativos de melhora da única faixa de ensino que universalizamos. Mais sobre no próximo capítulo.
Os próximos tratarão de:
Jogando Dinheiro Fora – Brazilian Style. Vamos ver como procuramos os indicadores errados, buscando cada vez mais a contratação de professores e construção de escolas como a grande solução, tentando otimizar os indicadores errados de avanço educacional.
Jogando Dinheiro Fora II – Investindo errado no ensino superior. Analisaremos qual o papel da provisão pública de ensino superior e como subvertemos a lógica de melhor uso do dinheiro público, com investimentos maciços na parte do sistema que gera menos retorno à sociedade.
Experiências Fracassadas, ou como aprender com os erros dos Ricos. Veremos o caso de Quebec, no Canadá, que oferece um serviço subsidiado de creche por cinco dólares canadenses por dia. O serviço é extremamente popular, mas as evidências mostram que a qualidade da educação caiu por causa disso e a provisão pública de creches é, por mais popular que seja a medida, ineficiente para a sociedade.
Intervenção e não somente Educação. Discutiremos o caso ABECEDÁRIO e como as ciências sociais têm repensado os modelos de investimento em educação, com intervenções multidimensionais, restritas pela lógica dos rendimentos decrescentes .
O sonho escandinavo. Mostraremos como o caso dinamarquês, com 91,2% das crianças em creches e ensino superior universal, é o final de um longo processo de maturação no qual mal começamos e, portanto, não podemos nos espelhar. Somos a Dinamarca 200 anos atrás e nossas políticas atuais tem que refletir isso.
Propostas para o Brasil. Onde utilizaremos todo o material anterior para começar a desenhar propostas para que não percamos outra geração de brasileiros a um sistema ruim, ultrapassado e elitista.
[1] As Funções Docentes referem-se aos indivíduos que estavam em efetiva regência de classe da data de referência do censo. O mesmo professor pode atuar em mais de uma Unidade da Federação e em mais de uma etapa e/ou modalidade de ensino. Não inclui auxiliares da Educação Infantil.
acho uma maldade fazer a gente esperar pelos posts. Publica tudo de uma vez. Quero ler logo.
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Claudio, obrigado pelas palavras. Eu estou publicando a medida que escrevo. Muitas ideias e pouco tempo, infelizmente.
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