É possível multiplicar em dezenas de vezes o número de doadores de órgãos com uma simples mudança de legislação que não fere os direitos de ninguém. Essa mudança simples teria capacidade gigantesca de aumentar o bem-estar da sociedade, acabando (ou reduzindo consideravelmente) com a fila de transplantes. Como fazê-lo? Basta alterarmos a opção básica de todos os brasileiros. Hoje todos somos, se não revelarmos nossa preferência, não-doadores de órgãos. Basta mudar o default para doadores e o número de transplantes de órgãos vai crescer significativamente. E melhor, sem mudar qualquer direito fundamental. Quem não quiser ser doador, basta seguir um procedimento simples, deixando clara sua opção para sua família, assim como fazem hoje os potenciais doadores.[1]
Racionalmente, a preferência padrão na legislação não deveria afetar o número de pessoas dispostas a doar órgãos. Afinal, se alguém deseja fazê-lo, basta comunicar à sua família, pois somente os parentes podem autorizar a doação. Deveria ser o contrário: todo brasileiro, se não comunicar à família, é um doador em potencial. Ninguém perde direitos.
Não há questões morais. Não é preciso recorrer ao argumento de que quem está na fila de transplante precisa desesperadamente de um órgão. É questão de eficiência. Quem não quiser se tornar doador, nunca será.
Já aprendemos, em economia comportamental, que a racionalidade econômica não explica todas as decisões. Racionalmente, não deveria fazer diferença um sistema opt out (no qual o indivíduo deve dizer que não quer ser parte do sistema) do que opt in (nesse, só entra no sistema quem explicita o consentimento). O sistema brasileiro é opt in. Se mudássemos para opt out, todos teriam o mesmo direito e multiplicaríamos o número de possíveis doações de órgãos. O desenho correto do sistema é fundamental. Podemos ver isso no caso europeu.
Fonte: Johnson e Goldstein (2003)
O desenho correto do sistema salva vidas (ou melhora daqueles que precisam de um transplante, mas não correm risco de vida). Gustafsson et al (2006) mostram que o redesenho do sistema sueco levou a um aumento de 70% do número de transplantes, efetivamente acabando com a fila que existia. Os sistemas sueco e português, que deveriam servir de base ao brasileiro, concedem aos familiares, como deve ser, a última palavra. Nenhum transplante é feito sem o consentimento da família. Mas a diferença entre ter um sistema opt out mostra como a opção básica muda como tomamos decisão. Os resultados científicos mostram que, para a maior parte da população, a decisão entre doação ou não de órgãos é pouco importante. Por isso, nos países com sistema opt out, a maior parte das pessoas vai de acordo com a opção básica do sistema. O mesmo em sistemas opt in. Nossos irmãos portugueses mudaram o sistema. Podemos copiar o deles, descrito aqui.
Podemos fazer o Brasil crescer em número efetivo de transplantes. Estamos atrás até dos nossos hermanos argentinos. Salvaremos vidas sem desrespeitar o direito de qualquer brasileiro. Por que não mudar?
[1] O Brasil tem uma legislação estranha. Aqui não vale a vontade do morto. Deixar por escrito que você é doador de órgãos não tem nenhum valor. Só vale a vontade da família, independentemente do falecido(a) se der bem com ela ou não.