Esse post é o segundo de uma breve série sobre minhas percepções ao ministrar aulas de finanças e economia para mais de 1.000 executivos e 200 donos de empresas ao redor do Brasil em 2015. Nesse post, trato de um assunto importante para que saiamos da crise, que é a decisão de investimento por parte das empresas.
Vivemos um paradoxo: o grau de aprovação do atual governo, para os donos de empresa com quem estive, é de zero por cento; ao mesmo tempo, quase todas as empresas estão ansiosas para expandir suas atividades. Não conheci nenhum gestor nos moldes de empresas maduras americanas, isto é, satisfeito em gerenciar uma empresa na qual houvesse muita geração de caixa para remunerar muito bem seus acionistas, mas com baixos investimentos.
Um exemplo interessante é o de uma empresa que pediu mais de um curso específico para seus gestores e acionistas. No início, o curso era para ajudar a família a entender como gerenciar o seu patrimônio. Chegamos a conclusão de que o melhor seria definir um plano para retiradas de R$5 milhões por ano para criar um fundo familiar que seria independente do negócio principal do grupo e que viria a ser gerenciado por um dos netos do fundador, que seria preparado para isso. Isso foi em janeiro. Em setembro, recebi um convite para um outro curso para os gestores, pois a empresa estava sem caixa e recorrendo a empréstimos de curto prazo, como antecipação de recebíveis, para fechar as contas do mês. Ao analisar os dados, vi que a empresa tinha gerado um fluxo de caixa livre de cerca de R$20 milhões ao longo dos primeiros nove meses de 2015. Como, então, seria possível a empresa estar sem caixa se tinha gerado recursos em um montante quatro vezes maior do que o acordado com os sócios no início do ano? A resposta é simples: a empresa já tinha investido R$21 milhões em 2015 e planejava investir, ainda mais, em novas lojas.
O padrão seguido por essa empresa é comum em muitas outras: o processo de investimento é desconectado da gestão de caixa e os sonhos de crescimento vertiginoso atropelam a capacidade de geração de fluxos dos negócios da empresa. É uma alavancagem por devaneios, em vez de uma busca por crescimento sustentável. Não há nada de errado em buscar o crescimento, é claro, mas existe um limite criado pela geração interna de caixa que muitas vezes é desrespeitado, colocando a empresa em um círculo vicioso que a leva a falência, principalmente se os novos investimentos apresentarem retornos abaixo do esperado.
Uma empresa bem gerenciada sempre consegue sobreviver a um ou dois investimentos ruins, e isso faz parte da relação risco e retorno, na busca para o crescimento. Contudo, muitas empresas passam, ser saber, por momentos de “all-in”, ou seja, colocam todas as fichas no meio da mesa apostando em novos investimentos sem entender que se o retorno dos mesmo for baixo, pode colocar em risco todos os negócios da empresa. Uma empresa, como no exemplo acima, que começa a antecipar recebíveis para cobrir as necessidades de caixa para abertura de novas lojas, está se alavancando além de uma margem razoável. E isso é mais comum do que parece. Muitas empresas investem até falir e não por projetos fantasiosos, como no caso do grupo EBX, do anteriormente bilionário Eike Batista, mas simplesmente por não criarem planos de investimento que levem em conta a taxa de crescimento sustentável, que é limitada pela geração de caixa dos projetos existentes e a rentabilidade projetada dos novos investimentos. Muitas empresas acabam falindo ou entrando em crise por um excesso de investimentos. E não somente por causa do efeito tesoura. No país mais fechado do mundo para o comércio, as médias empresas locais, que já tem escala, enfrentam relativamente menos concorrência e dificilmente apresentam dificuldades financeiras por causa de redução de vendas. É a superconfiança (hubris ou hybris) e falta de capacidade de gerenciar o crescimento que é a maior causa de “financial distress” em empresas de médio porte no Brasil, na minha experiência. Tenho vários relatos dos investimentos até a cova, empresas que desapareceram ou foram compradas por acabar arriscando demais sem mesmo conseguir entender a relação risco/retorno dos seus investimentos em projetos novos, que faziam muito sentido à primeira vista. Mais uma falha de gestão financeira que se contrapõe aos modelos racionais de gestão empresarial.
O espírito animal dos empresários de médias empresas no Brasil é bastante interessante. Em vez de buscar geração de valor, existe uma gana pelo crescimento de receitas que muitas vezes transcende a racionalidade dos modelos de gestão financeira. Por um lado, isso parece ótimo para o Brasil e teríamos empresas prontas para alavancar a retomada do crescimento da economia brasileira. Infelizmente, o paradoxo é que embora esse espírito animal não dependa estritamente da geração de caixa da empresa, ele é afetado pelos sentimentos em relação ao futuro do setor e do país. Muitos empresários enxergam que suas ideias são boas (muitas vezes não são), mas que o momento não é ideal. Isso contribui para a paralisia nos investimentos das médias empresas, mesmo que os empresários queiram deslanchar seus projetos. Também mostra como a elasticidade-oferta dos empréstimos do BNDES, por exemplo, se torna mais baixa do que seria esperado pela teoria econômica. Os empresários muitas vezes não usam o BNDES como alavanca de novos investimentos, mas sim como forma de diminuir a necessidade de recursos internos da empresa. Como a crise reduz esses recursos, muitas empresas estão adiando investimentos independente da existência ou não de empréstimos subsidiados. E não estou falando das empresas em dificuldades financeiras, mas sim daquelas que conseguem se manter rentáveis em cenários de crise. Mais do que nunca, expectativas importam. A saída da crise política aumentaria muito a probabilidade de que as empresas voltem a investir. Enquanto isso, lidamos com o pior cenário: uma recessão na qual o desemprego aumenta e os empresários represam investimentos, mesmo tendo mais ideias que recursos.